Os relacionamentos são uma das bases da existência humana, possivelmente a mais forte delas. Nós nos tornamos quem somos em relação ao outro. Sobrevivemos devido ao olhar atencioso ao e cuidado externo na primeira infância.
Nascemos completamente vulneráveis, ao contrário de outras espécies.
Permanecemos fundidos emocionalmente a nossa mãe, entendendo-nos como uma extensão dela. E é somente por volta dos 3 anos de idade que a criança começa a se entender como um indivíduo.
De acordo com a visão sistêmica, saindo da fusão com a mãe, passamos à esfera do pai, que é o nosso primeiro outro. Com o passar dos anos iniciamos relacionamentos com os parentes mais próximos, colegas de escola, educadores, primeiros amigos.
Até por volta dos 7 anos, a criança manifesta muito da psique de ambos os pais ou dos outros adultos por quem é educada. Ela deixa em evidência muitas sombras que precisam ser olhadas, sentimentos negligenciados, conteúdos emocionais reprimidos do círculo a que pertence.
A primeira infância tem um impacto profundo na formação do nosso emocional, nas nossas crenças e em como nos entendemos como seres. Tem também uma influência enorme na forma como nos relacionamos: se nos tornando capazes de criar vínculos profundos e seguros ou se os evitamos a todo custo, sentindo ansiedade nos relacionarmos.
A reflexão que eu proponho hoje é sobre a qualidade da presença que estabelecemos em nossos relacionamentos. Pois é a escolha consciente em dar nosso tempo, energia e atenção que faz com que algo cresça e floresça.
Existe um imaginário de que os vínculos se deem de maneira mágica, de que o amor ocorra naturalmente. Mas na verdade, mesmo entre pais e filhos, esse vínculo é algo que se desenvolve e, quando alimentado, cresce.
O quanto você consegue estar presente nos diálogos que estabelece?
O quanto sua mente voa, antecipa respostas e tagarela enquanto seu interlocutor fala?
O quanto é incômodo para você se relacionar?
Se por um lado a tecnologia veio para facilitar o acesso a outras pessoas e a comunicação, por outro funciona, grande parte das vezes, como um fator de afastamento nas conexões reais.
Há alguns anos, as pessoas conversavam entre si quando iam a um restaurante, por exemplo. Hoje, quando observo grupos em um almoço ou jantar, cada pessoa conversa com seu próprio celular e documenta o encontro em posts instantâneos.
A Sociedade do Espetáculo, teorizada em fins dos anos 1960, por Guy Debord, não é mais novidade, é o trivial. Não se trata mais das grandes mídias, tornou-se uma ideologia pulverizada, em que cada um criou seu palco e se confundiu com a personagem.
A necessidade da exposição e da construção intencional de uma imagem cresceu a ponto de parecer mais importante do que a vida em si. E um dos impactos mais profundos dessa transformação social está na maneira como nos relacionamos atualmente.
Nas famílias, o diálogo entre os membros também foi substituído por conversas paralelas no WhatsApp e redes sociais.
A pessoa do outro lado da rede parece muito mais interessante. Claro, o que ela apresenta é apenas um recorte selecionado para ser visto, ouvido e admirado. Entendendo-se por admirado, hoje em dia, o número de curtidas recebidas.
Já as pessoas ao redor, dentro de casa, estão ali por inteiro, com qualidades, mas também com muitos defeitos, na imperfeição característica do humano. A vida real é composta por momentos de emoção, mas também por mais momentos de tédio e rotina.
Esses dias assisti a um vídeo de um dos gurus do marketing digital dizendo que todas as pessoas deveriam aprender a como se tornarem mais atraentes e persuasivas para poderem competir pela atenção que o esposo(a) despende com os perfis profissionais no Instagram.
E confesso que me assustou um pouco pensar que, para poder conversar dentro de casa num futuro não muito distante, talvez seja necessário entender de convencimento, retenção de atenção e uso de gatilhos mentais.
Como mãe, assusta-me ainda mais saber que milhões de crianças possam ter seus cuidados negligenciados porque os pais estão mais ocupados com curtidas, compartilhamentos e bate-papos superficiais do que em formar vínculos com a própria cria.
É cada vez mais comum presenciar mãe amamentando com os olhos vidrados no celular, em vez de olhar para o próprio bebê, ansioso por acolhimento e um olhar atencioso.
O que essa criança está diariamente aprendendo sobre sua importância? Sobre amor? Sobre empatia?
Aos poucos, essa mesma criança aprenderá a buscar por distração dos próprios sentimentos nas telas eletrônicas, distanciando-se das emoções doloridas, do ócio e de outras vivências necessárias para seu desenvolvimento.
Durante essa pandemia, muitos pais se deram conta de que não suportam ficar o dia inteiro com os próprios filhos. Houve inclusive crescimento no número de agressões à mulher e à criança, além de aumento no uso de álcool e drogas.
Portanto este texto é um convite para repensarmos nossas relações. É um apelo para aprofundarmos os vínculos com quem está ao nosso redor, principalmente com as crianças.
Alguns dos pilares para começar essa jornada são: aceitação de si mesmo e do outro, paciência e disponibilidade.
Sei que os problemas cotidianos muitas vezes nos engolem, mas é necessário pensar também a longo prazo.
Que filhos você pretende deixar para o mundo?
De que humanidade você quer fazer parte?
Somente quando nos tornamos conscientes, podemos escolher diferente.
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Faça o exercício de enxergar o mundo pela lente de quem está próximo a você. Perceba do que aquela pessoa necessita. Perceba o que seus filhos querem comunicar.
Escute-se mais, perceba o que de fato tanta conectividade traz de positivo para você e quais impactos negativos já se apresentam em sua vida.
De quais conexões reais sente falta?
Quais sentimentos precisam ser olhados e integrados para que você possa se sentir por inteiro?
Uma nova humanidade será formada quando formos capazes de nos amarmos, de estarmos presentes nos relacionarmos em trocas equilibradas, pautadas pela contribuição.