O tema é bastante delicado, mas é altamente necessário, especialmente nos dias de hoje. O suicídio é um tabu na nossa sociedade e algumas pessoas preferem não falar sobre isso, pois, para elas, trazer o tema à tona poderia despertar um desejo suicida em alguém.
Mas é como o próprio ditado já diz: “É conversando que a gente se entende.” E, em se tratando de distúrbios psíquicos — como depressão e ansiedade —, a conversa é mais do que necessária e precisa ser complementada com a ajuda de profissionais como o psicólogo e o psiquiatra.
Mas engana-se quem acha que o suicídio seja um problema que só afeta os adultos — tanto os mais jovens como os mais velhos. De acordo com o relatório elaborado pela OMS em 2017, o suicídio é uma das cinco maiores causas de jovens entre 15 e 19 anos no Brasil, ocupando a terceira posição nesse ranking.
Por essa razão, é preciso, mais do que nunca, falar sobre sentimentos, emoções e pensamentos. Não basta conversar, é preciso ouvir sem julgamento, aprendendo a acolher nossas crianças e adolescentes.
Direto ao ponto
Com a palavra, as estatísticas
De acordo com o Manual de Prevenção do Suicídio para Professores e Educadores da Organização Mundial da Saúde (OMS), elaborado em 2000, a maior parte dos suicídios de crianças e adolescentes é mais comum entre os maiores de 14 anos.
Curiosamente, segundo esse mesmo manual, embora a taxa de tentativas seja de duas a três vezes maior entre as meninas do que entre os meninos, são eles que mais consumam o ato, provavelmente devido à forma como muitos são criados, geralmente expostos a situações mais contundentes e cobranças muito mais frequentes para que suprimam seus sentimentos e fraquezas, ao passo que as meninas são motivadas a falarem mais sobre suas emoções.
No Brasil, especificamente, entre 2000 e 2012 houve um aumento de 40% no número de suicídios entre crianças e adolescentes de 10 a 14 anos. Só em 2009, 106 jovens nessa faixa etária deram fim à própria vida, segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde.
Vários são os fatores que contribuíram para esse aumento. Podemos destacar o estilo de vida moderna como um dos principais. No caso dos adolescentes, é possível que haja uma grande contribuição da pressão nas redes sociais, o ciberbullying, impulsividade, jogos perigosos (em especial aqueles desafios na web), transtornos mentais, problemas emocionais, dentre outros, no entanto, em se tratando de crianças menores, ainda existe um grande tabu, já que há uma crença de que crianças são muito imaturas para cometerem atos suicidas, o que também influi nas taxas de notificações. Mas há que se levar em conta também que, por mais que ainda seja um assunto delicado, hoje em dia fala-se mais sobre o suicídio e há uma divulgação maior de casos.
Em um editorial publicado na Acta Paulista de Enfermagem, revela-se que foi feito um estudo em grandes cidades do Brasil dando conta de que, entre 2006 e 2015, houve um aumento de 24% na taxa de suicídios entre adolescentes. De 2011 a 2016 foram registradas mais de 48 mil tentativas de suicídio entre jovens de 10 a 19 anos de idade.
Um estudo publicado em 2020 no periódico “Lancet Psychiatry” revela que 8% das crianças entre 9 e 10 anos de idade já relataram ter pensamentos suicidas, ao passo que 2% delas afirmam já terem tentado se matar. Essa pesquisa foi realizada nos Estados Unidos, onde o suicídio está em ascensão. Nesse caso, uma das causas para esse ato é o conflito familiar, que tem um grande impacto na vida dos jovens. As relações na escola também foram consideradas um fator que pode prejudicar o estado emocional dessas crianças.
As redes sociais acendendo um alerta
Ultimamente esse aumento de tentativas e de suicídios consumados entre os jovens tem tido uma relação muito íntima com a questão das redes sociais. É fato que essas mídias vieram para transformar nossas vidas, mudando a forma como nos comunicamos.
É inegável que as redes sociais vieram para ficar e as novas gerações já nasceram praticamente dentro dessa nova realidade. Hoje em dia tudo é like, comentário e compartilhamento. A vida virtual muitas vezes se sobrepõe à real.
O que era para ser bom acabou se tornando um fator de risco para a saúde mental das pessoas, especialmente os jovens entre 14 e 24 anos. Uma pesquisa realizada em 2017 pela Royal Society for Public Health, instituição de saúde pública do Reino Unido, revelou que as taxas de ansiedade e depressão entre os jovens dessa faixa etária aumentou 70% desde os anos 90.
De likes a hates
Com o uso das redes sociais de forma massiva, a relação com a aceitação passou a se dar na forma de curtidas, para algumas pessoas. Então elas passam a medir sua relevância na quantidade de “coraçõezinhos” que recebem dos outros, até mesmo de estranhos.
Mas engana-se quem pensa que dá pra se satisfazer com uma quantidade determinada de likes. Pelo contrário: uma postagem que ganha muitas curtidas causa ainda mais ansiedade, porque a pessoa não sabe se vai ter a mesma métrica no próximo post. E aí ela entra num “looping” infinito, querendo fazer de tudo para que os conteúdos seguintes engajem tanto quanto os anteriores. Então isso se torna uma compulsão pela aprovação alheia.
Se não obtém a mesma quantidade de curtidas, a autoestima começa a ser abalada. A necessidade de agradar a todos em busca dessa aprovação começa a se tornar algo doentio até, já que a rede social acaba se tornando um ambiente competitivo. E não obter esse “aval” alheio gera transtornos emocionais.
Já por outro lado, por exatamente serem vistas como um ambiente de competição, as redes sociais acabam se tornando um terreno fértil para práticas abusivas como cyberbullying, ofensas, todo tipo de discriminação e até mesmo crimes virtuais contra a honra de uma pessoa.
Esse comportamento odioso e agressivo tem crescido a uma velocidade assustadora. Não bastassem as ofensas gratuitas, as discussões violentas e todo tipo de discurso de ódio, muitas vezes direcionados às pessoas com a mera intenção de machucar, falar sobre o suicídio em si nas redes traz revelações nefastas.
Para termos uma ideia do quanto as pessoas parecem ter pedido a sensibilidade para com o outro, foi feito um monitoramento virtual entre abril e maio de 2017 pela agência Nova S/B sobre menções ao tema “suicídio” no Brasil, nas principais redes sociais. Pasmem, 34,2% eram piadas ou memes. E um dado muito triste: 18,3% dessas postagens foram negativas e discriminatórias, inclusive incentivando o suicídio. 94,2% dessas postagens se encontravam no Twitter.
Um campo minado para as emoções
Outro ponto sobre as redes sociais é que lá tudo precisa parecer perfeito. Chega a ser algo contraditório, já que precisamos postar uma vida perfeita, em troca de likes, visualizações e “reconhecimento” dentro de ambiente hostil, em que estamos expostos a todo tipo de vexação, violência, humilhação e discriminação. Isso mexe com o emocional de qualquer um.
E falando novamente sobre a competitividade nesses canais, a sensação de vida perfeita acaba “jogando na nossa cara” o quanto a nossa vida é uma porcaria. A famosa grama mais verde do vizinho.
Sem falar nas críticas negativas disfarçadas de opinião. Em uma idade tenra como a de nossas crianças e adolescentes, a opinião alheia realmente influencia muito. Um corpo que é criticado por ser magro demais ou gordo demais. Um cabelo que não está dentro de algum padrão, o nariz que poderia passar por uma plástica… tudo isso é jogado sem a menor sensibilidade como comentário.
E já existem até mesmo jovens querendo passar por cirurgias estéticas para ficarem parecidos com os filtros ou outros que se submetem a intervenções cedo demais, para atender a uma expectativa que nem sempre é deles mesmos.
Mesmo com toda a influência das redes sociais em casos de depressão e ansiedade, e mesmo suicídio entre os jovens, não devemos considerá-las como vilãs isoladas, pois apesar de haver indícios de interesses escusos por trás de suas intenções, os maiores culpados por elas terem se tornado esse “pesadelo” para as nossas emoções somos nós mesmos, que estamos usando de forma errada. É preciso que tenhamos consciência de nosso papel como usuários.
Presença e acolhimento
Devemos buscar uma maneira de nos relacionarmos de forma mais inteligente e produtiva nas redes sociais, além de entender que a internet não se limita a elas. Existe uma vastidão de recursos fora de Facebook, Instagram, TikTok ou Twitter que podem proporcionar uma experiência mais agradável e verdadeira.
Para além disso, é preciso que também nos preocupemos em criar um canal aberto de comunicação com nossos filhos. Estar aberto ao diálogo, sem julgamentos, mostrar-se presente e aprender a proteger nossas crianças dos ambientes nocivos dentro das redes sociais, dos jogos on-line e de outras formas de interação virtual.
Precisamos aprender a ouvir atentamente e perceber qualquer sinal emocional. Fique atento aos sinais, que são diversos e se apresentam com suas particularidades. Mas há alguns que caracterizam bem essa condição:
- cansaço constante, muitas vezes sem explicação óbvia;
- sensação de culpa e menos-valia;
- irritabilidade excessiva;
- explosões de choro;
- dores físicas sem causa aparente e que não melhoram;
- pensamento ou externalização de intenções suicidas;
- problemas de concentração;
- apatia.
Há, ainda, os sinais de que o jovem pode estar planejando suicídio, então preste bem atenção a qualquer alteração, como ameaças (verbais ou não) de querer se ferir ou dar fim à própria vida; desesperança quanto ao futuro ou menção sobre não estar mais por aqui; mudança radical na aparência; pesquisas sobre formas de suicídio na web; postagens de despedida ou alguma frase que indique isso; tentativa de obter qualquer recurso que potencialmente ajude a se matar.
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Fique atento, pois a depressão na criança é algo persistente, que faz com que ela se sinta desamparada e angustiada, e é um diagnóstico muitas vezes difícil, porque ela está passando por várias fases na vida, inclusive de comportamento. Então podemos nos confundir e achar que “é só uma fase”, não chegando a procurar tratamento.
E não buscar orientação e ajuda de um profissional é um erro que pode custar bastante caro, portanto ouça sua intuição de mãe/pai/responsável. Você é a base que sua criança tem na vida, compete a você cuidar da integridade física e emocional dela. Esteja sempre ao lado dela, não minimize a importância dos sentimentos dela, não relativize a tristeza.
A importância do Setembro Amarelo
A depressão chegou a um nível tão alarmante que foi preciso criar uma data para tratar sobre o tema, que já é uma questão de saúde pública. Sendo assim, foi criado o Setembro Amarelo, uma iniciativa da ABP em parceria com o Conselho Federal de Medicina, para abordar esse e outros transtornos mentais e falar sobre a prevenção ao suicídio.
A ideia é desmistificar a depressão e acabar com os estigmas, incentivando todos a falarem abertamente sobre essa doença que tem avançado muito nos últimos anos. Dia 10 de setembro, especificamente, é oficialmente o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, mas a campanha não se restringe a setembro, ela acontece o ano todo, pois se trata de um assunto de extrema importância, que precisa ser debatido durante os 12 meses do ano.
É preciso também que estejamos abertos a falar sobre nossas emoções, que não tratemos nem a depressão e ansiedade nem o suicídio como tabus, pois não falar sobre eles não acaba com os riscos, pelo contrário, não falar é um risco.
Fique atento, de braços e coração abertos para ouvir seu filho, seu aluno, seu sobrinho, a criança que é sua vizinha. É papel da sociedade acolher nossos jovens e proporcionar a eles uma vida emocionalmente segura.