Convivendo Educação

Prova de fogo

Pessoa preenchendo gabarito de uma prova
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Escrito por Antonio Lima

Passei no vestibular de Publicidade no ano de 1982, na Metodista, em São Bernardo do Campo. Segundo a minha memória, sempre traiçoeira, eu devo ter ficado em nono lugar. Pode parecer que eu era um aluno acima da média, mas não era. Esforçado, talvez. Vim da escola pública, cheio de deficiências, mas tinha uma fome inesgotável de conhecimento. Queria muito uma nova perspectiva de vida, diferente da que um garoto da periferia de Santo André, no ABC paulista, estava condenado a ter.

De fato, entrar para a universidade, se não mudou a minha vida naquele momento, fez com que eu mudasse a minha percepção do mundo, como se eu estivesse acessando um portal que me levaria para lugares inexplorados, saberes inéditos, experiências que moldariam o meu modo de pensar.

Antes de entrar na Metodista, não consegui passar pela primeira fase da Fuvest. Era muito difícil. Mas nem tive tempo de sentir a frustração. Minha vida de vestibulando foi curta. Ainda bem.

Quase quarenta anos depois, o vestibular voltou a me assombrar, agora acompanhando o périplo da minha filha em busca de uma vaga em Direito na São Francisco. Fuvest, de novo. Horas intermináveis de estudos. Cursinhos estafantes. Aulas pela internet. Expectativas, decepções.

Acredito que quem organiza um vestibular sofre de algum tipo de sadismo. Não pode ser outra coisa. Milhares de jovens almas sendo espremidas em uma máquina de frustrações e desapontamentos. Sonhos sendo pisoteados sem piedade. Vão dizer que isso é a tal da meritocracia. Que os melhores vão se destacar e ocupar as vagas. Sei.

Menina fazendo uma prova com outros estudantes em uma sala
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É óbvio que isso acontece porque são milhares de candidatos atrás de poucas vagas. Uma multidão tentando passar ao mesmo tempo por uma porta estreita. Uma maratona na qual 90%, 95% dos corredores ficarão pelo caminho e só mesmo os atletas de alto nível e com a melhor preparação vão cruzar a linha de chegada.

Mas espera aí. Para quem são as universidades? Apenas para uma elite forjada pelo poder econômico? Para os poucos escolhidos que frequentaram as melhores escolas, fizeram os cursinhos mais caros ou têm os cérebros mais privilegiados? Enquanto for assim, a camada média da população vai ficar assistindo essa festa de fora.

Sem falar que é mais fácil ser escolhido pela Nasa do que passar na Fuvest. O sujeito tem que conhecer física, química e biologia tão profundamente como alguém que quer ser justamente físico, químico ou biólogo. E, na maior parte das vezes, todo esse conhecimento, para tantas outras profissões, não terá a menor utilidade ou aplicação. É só uma barreira para separar as pessoas comuns dos gênios.

Sei que esta discussão é inútil. Nada disso vai mudar. Mas a verdade é que, além de calorimetria, forças magnéticas, indução e fluxo, o jovem que se aventura a prestar um vestibular desses aprende mesmo que a vida adulta é uma concorrência desleal — e que é bom ele preparar o espírito para a decepção, para o descontentamento, para a frustração. Nessas matérias, todo mundo passa.

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Toda vez que a minha filha bate contra a parede do vestibular, fico pensando em como ajudá-la, além de usar os lugares-comuns de sempre: na próxima você consegue, redobre os esforços, agora você está mais bem preparada. Mas eu sei que essa equação é difícil de resolver.

O que deveria ser apenas uma escolha — quero ser advogado, quero ser médico — vira um martírio. Em algum momento, ela vai passar. O sarrafo é alto, mas ela é persistente, muitos são. Mas não precisava se pagar um preço tão alto em um momento da vida em que quase tudo é incerteza, dúvida e sonho.

Se Nietzsche estiver certo — “tudo aquilo que não nos mata nos deixa mais fortes” — logo minha filha e muitos jovens como ela estarão por aí fazendo a diferença como profissionais competentes. Mas é lamentável que um sistema que mede a inteligência seja tão burro.

Sobre o autor

Antonio Lima

Minha carreira começou em 1985, quando eu coloquei os pés em uma agência de publicidade sem nunca ter criado um anúncio antes.

Eu tinha 23 anos. Estava na faculdade. Troquei um emprego de seis anos, seguro e bem remunerado, por um sonho.

Meus diretores na época mal sabiam que estavam mudando a minha vida. De origem simples, sem que ninguém da minha família até ali tivesse um diploma universitário, eu entrei no mundo da publicidade e vivi momentos mágicos nesta profissão encantadora e que, muitas vezes, nos consome.

Muitos anos depois, posso dizer que me sinto realizado. Olhando para o que eu fiz, as agências por onde eu passei, as marcas para as quais eu criei, seja um simples folheto ou uma campanha completa, eu tenho a sensação que sempre estive no lugar certo.

Em cada peça que eu criei ou ajudei a criar, tive o desafio de encontrar um caminho, uma solução criativa. E a busca pela originalidade, por uma forma de emocionar as pessoas, por surpreendê-las, sempre me guiou neste ofício que nos obriga a estar sempre com a mente aberta, livre de preconceitos e de verdades absolutas.

Depois de ser estagiário, redator, diretor de criação, sócio, empreendedor, consultor, me sinto essencialmente um operário da palavra, das ideias.

Agora, tenho o prazer de voltar ao início, quando, ainda tão jovem e inexperiente, eu me sentava à frente de uma Olivetti e criava um título, redigia um anúncio. A lição que fica, mesmo que pareça meio piegas, é que nunca devemos perder a nossa essência.

É esta verdade que aquele garoto, que passou, cheio de sonhos e medos, pelo portão do casarão da Rua Tupi, me ensina todos os dias.

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