Sintomatologia psicopatológica em adultos que foram vítimas de abuso sexual infantil.
Atendendo há mais de quinze anos crianças e adultos que foram vítimas de abuso sexual infantil, percebo que o pouco material que se tem sobre o assunto, principalmente no que tange aos danos psicopatológicos, estão voltados para a infância.
Entretanto vejo a necessidade de escrever e começar a refletir sobre os desdobramentos psicopatológicos num adulto que foi vítima do abuso sexual infantil.
Um ponto a discutir é o de que clinicamente pude observar que existem algumas características de personalidade e comportamento — e mesmo de transtornos psicológicos — em comum nas pessoas que foram vitimadas por esse tipo de abuso.
Tentarei elencar aqui alguns deles:
1 – O silêncio
As pessoas que foram vítimas da pedofilia, quando adultas têm muita dificuldade em falar sobre o assunto. Muitas vezes não contam a ninguém, nem procuram ajuda de um profissional adequado na saúde mental e por vezes não gostam que se fale sobre esse assunto. Existe um pacto de silêncio, do calar, da vergonha que se tem por ter vivenciado essa perversa situação.
2 – Culpa
A pessoa que foi vítima da pedofilia na infância sente muita culpa. Fato. É óbvio que uma criança vítima de abuso sexual infantil é inocente e nunca culpada. Mas de algum modo cresce com um sentimento de culpa e se desculpa quase sempre por existir.
3 – Punição
Existe algo intrinsecamente ligado à psicopatologia da personalidade humana, que é o fato de que uma pessoa que sente culpa por algo tentar se punir, mesmo que inconscientemente, para buscar algum tipo de reparação do dano que não existe e do ato ilícito que a criança não cometeu.
A culpabilidade e a punição devem ser exclusivas do agressor — no caso o pedófilo —, mas no mundo psíquico as coisas não se processam assim.
4 – Rejeição/abandono
É muito comum as pessoas que foram agredidas quando crianças se sentirem rejeitadas ou abandonadas. Quando isso de fato acontece em suas vidas, elas não sabem lidar com a situação. Isso talvez se dê pelo fato de a maior parte da violência sexual contra os menores ocorrerem com pessoas de vínculo estreito com eles e que se prevalecem com ameaças de algum tipo de mal, como o abandono, a separação e chantagens emocionais para que guardem segredo do ato.
5 – Falta de autoestima e de amor-próprio.
Comumente o adulto abusado na infância tem uma baixíssima autoestima e insuficiente amor-próprio. Ele passa a vida tentando buscar aprovação e amor no outro. Teme o abandono. Quase nada do que faz está bom.
6 – Desenvolve relações abusivas
Psicanaliticamente falando, a criança vítima de pedofilia assim que cresce pode ir para relacionamentos amorosos, familiares, sociais e profissionais abusivos e não se dá conta disso senão quando está em processo terapêutico. Muitas vezes a criança até tenta falar, mas depende de quem executou o ato de abusar. Se é uma pessoa querida da família ou com algum poder financeiro, político ou religioso, os outros adultos a defendem. Fato. Um pequeno percentual pode se tornar perverso e replicar os atos de abusos, mas não necessariamente.
7 – Tristeza
A criança que sofre pedofilia é uma criança triste. Muito triste. Ela é inserida no mundo de desejos e sensações sexuais que não é próprio para sua adequada fase de desenvolvimento, devido também ao fato de que nem todo abuso é praticado com violência. Pode muitas vezes ser apresentado pelo pedófilo como uma forma de carinho em que o sigilo deve ser preservado sob pena de que algo muito ruim aconteça à criança. Ela sabe que algo está errado, mas sente culpa. Sente tristeza e culpa. Dependendo de como o ato é praticado, a criança sente desejo, prazer (neurológico), tristeza e culpa. A tristeza é o câncer que prevalece sobre a vida da pessoa vítima de pedofilia.
8 – Vida sexual comprometida
Penso que o ser humano que sofreu tal violência quando criança passa a ter sérios problemas com sua sexualidade mesmo que tenha um parceiro que o ame, e isso por certo independe de sua orientação sexual. O problema está no toque, no carinho e no ato sexual. A desconfiança faz parte das relações afetivas. Difícil acreditar que alguém o ama sem o abuso.
Sendo assim, apresento apenas alguns sintomas psicopatológicos advindos de minha clínica há mais de quinze anos observando e estudando exaustivamente casos de pedofilia de crianças e de adultos que foram vítimas desse crime quando pequenos.
A pedofilia é um crime gravíssimo e perverso que causa danos físicos e psíquicos, muitas vezes irreversíveis na vida do ser humano.
O fato de não falarmos sobre isso ou negarmos ou mesmo sepultarmos no caixão do silêncio não significa que esse horror não esteja bem próximo de nós e de nossas crianças.
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O assunto é indigesto, sim. Entretanto bem atual e sendo um assunto tabu se alastra como um vírus no seio da nossa sociedade hipócrita, religiosa e patriarcal.
Recomendo que se fale sobre a pedofilia bem como eduque e acredite nas crianças para as denúncias.
Recomendo tratamento e terapias para os adultos que um dia perderam a inocência e a pureza, bem como a saúde mental que mereciam em tão tenra idade.