Eu me sentei no chão do quarto e coloquei uma camisola amarela. Estava bem quente naquele dia. Eu estava triste, desesperada. Uma dor no peito que parecia que não tinha fim. Toda a minha vida parecia errada. Era errada. Eu era errada. Eu não era ninguém, fazia tudo errado… Os pensamentos giravam em looping na minha mente, como acontecia todos os dias desde o meu diagnóstico de depressão. Eu decidi que não continuaria com aquilo. Aquilo acabaria ali.
Peguei uma folha de papel e escrevi uma carta. Carta aos meus pais e a uma amiga. Eu dizia pouco, era reta a conversa. Dizia que sabia que eles me odiavam e que, por isso, eu ia livrá-los do fardo que eu era. Vesti a minha camisola, coloquei uma música do Caetano e abri a janela. Coloquei um banco perto da janela e fiquei esperando a coragem de pular.
Eu sabia que não teria volta. Não era como tomar remédios e ter a chance de ser resgatada. Eu não queria ser essa pessoa, queria resolver. O engraçado é que isso sempre foi parte da minha personalidade, resolver. Fiquei ali de pé, chorando, mas a coragem… Ela estava demorando. Eu acabei me sentando e olhando as estrelas. Logo eu estaria lá. Será? Será que não era melhor esperar?
Não me lembro do resto, mas acordei no dia seguinte deitada na minha cama. Tudo estava bem. A dor ainda estava lá, mas eu estava viva. E parecia um pequeno milagre que algo – dentro de mim – tivesse ficado lá parado e eu tivesse decidido que não era o dia de morrer. Fiz isso – o mesmo ritual mais uma vez. E na terceira ideação eu decidi pegar a arma que meu pai tinha no cofre. Mas algo dentro de mim sempre me impediu.
Eu não queria perder a vida. Queria só que parasse de doer. A dor era como uma enxaqueca que durava anos, que doía me enlouquecendo todos dos dias. Eu queria o fim daquilo, daquela dor imensa, e não a morte. Entendi isso anos depois dos ocorridos e quando estava completamente curada.
Eu não era doente. Eu tinha uma parte minha doente. Uma parte enorme, que me dominava naquele momento, mas que não era eu. E eu sabia. A parte sã de mim sabia. Era ela que ficava me impedindo de me jogar ou de puxar o gatilho. Ela era uma das muitas vozes na minha cabeça, a voz baixinha à qual decidi dar atenção. E a cura veio. Muitos anos depois, mas veio.
E neste setembro, quando nos conscientizamos dos riscos do suicídio, eu digo que estive lá. Estive nesse lugar horrível e sombrio. E entendo o que é essa dor. Mas também posso dizer que é só isso, uma dor. Uma dor que precisa ser controlada, ajudada, amada. Uma dor que precisa ser acolhida e curada. Uma dor que precisa de ajuda.
Eu pedi ajuda. Pedi um psiquiatra e comecei a tomar remédios. Fui à terapia, aprofundei-me em mim mesma. Eu matei algo em mim, mas não foi a minha vida. Eu matei o lado doente, eu matei a dor. E não foi fácil. Mas morrer também não é. Temos sempre a opção, a escolha.
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E escolher a vida ou a morte é só uma questão de entender a diferença. Escolhendo a vida ainda teremos uma chance. E, naqueles dias, aquelas chances que eu me dei me trouxeram até aqui. E hoje eu ajudo pessoas que ainda estão sendo tomadas pelo seu lado doente. Foi essa a lição que a morte me ensinou.