Autoconhecimento

Quando o mundo fica menor

Um homem andando em meio à névoa.
nemar74 / 123rf

Descobri, já há alguns anos, que o que empresta um real sentido à vida é o que se aprende com o que ela nos impõe, pois que tudo o mais que almejamos, adquirimos e buscamos conservar é absolutamente artificial, inverossímil e passageiro.

Ao ser colocado frente a uma irreparável perda de pessoa querida nestes últimos dias, comecei a mergulhar – como percebi pelos sintomas que se acumularam – num processo depressivo tanto pela não aceitação do fato em si quanto por um autocorrosivo e crescente sentimento de impotência e frustração por tudo o que poderia ter sido feito diferente, como se pudéssemos prevenir o imprevisível.

A sensação é angustiante, autodestrutiva e, principalmente, solitária. Você pensa nas demais pessoas que também estão sofrendo do mesmo vazio… Sente uma necessidade incontrolável de se aproximar delas, de compartilhar sofrimento, fotos, lembranças, de falar do assunto que nos parece comum, mas nada consegue aliviar a sufocante sensação de estar sozinho. O máximo que conseguimos é descobrir que a nossa dor é só nossa, e que as delas – ainda que tão profundas quanto a que nos invade – também estão hermeticamente confinadas dentro de seus universos internos, não havendo a menor possibilidade de serem percebidas da mesma maneira.

A mão de uma pessoa segurando uma flor branca.
Ksenia Chernaya / Pexels / Eu Sem Fronteiras

Isso porque cada um de nós viveu momentos diferentes com o objeto de nossa perda. Cada um teve com ela um momento único, um sentimento único, um flash flagrado num instante que não se repete mais em qualquer segundo deste ou de qualquer outro Universo. E é esse instante único, e todos os sentimentos que dele sobrevêm, que tornam totalmente diferente o significado de tudo o que se viveu para um e para outro. Daí que podemos, no máximo, chegar próximos da compreensão do sentimento alheio, mas jamais percebê-lo com a intensidade que o outro o percebe, muito menos senti-lo da mesma forma. Daí porque são únicos. Daí da inutilidade da busca de entendimento e da imensa solidão da sua dor.

Os laços enquanto filha, neto, mãe, amigo, irmão, esposa ou parceiro desenvolveram suas próprias químicas e sentidos inerentes aos sentimentos diferenciados que produzem, que jamais poderão ser vivenciados da mesma maneira por cada uma delas. Além disso, o momento de vida de cada um também é pessoal e intransferível. A filha que espera a chegada do seu bebê, a irmã que se casou recentemente, a casa nova que acabou de ser construída… Enfim, a vida em seu curso passa por uma súbita parada frente ao imponderável, mas segue em frente depois, pois que é assim que tem que ser.

No entanto, se para alguns tudo volta ao normal após passado algum tempo, para outros o curso não vai ser retomado de onde parou, e isso faz toda a diferença tanto na percepção do momento quanto do que resulta dele. Uma coisa que descobri agora, por exemplo, foi que essa dor inaugurou o meu ingresso no segundo time: o daqueles cujas perdas vão se tornando cada vez mais irreparáveis. Estou posicionado na linha limítrofe entre os dois lados da minha vida, o passado e o futuro, sendo que a sensação é exatamente esta: a visão no retrovisor se mostra infinitamente maior do que a que se estende à minha frente!

O que pode parecer a morbidez comum de um momento triste como o que atravesso me passa, ao contrário, o aprendizado que se faz após uma nova lição que a vida oferece a quem se propõe a aprender com cada passo dado, e isso se faz mais confortante do que esperar que outra pessoa o entenda. Justamente essa consciência é que pode me afastar da tristeza e me reconduzir ao estado de equilíbrio, em vez de me enterrar na depressão. O sentimento e a descoberta se misturam para produzir a aceitação do imponderável.

Parece-me cada vez mais claro que a não aceitação do que nos acontece se concentra justamente na dificuldade de entender a transformação que se opera por dentro e por fora de nós a cada momento. Isso conduz automaticamente meu raciocínio à inutilidade do ter em detrimento do ser. Meu Deus! Quanto esforço para acumular tanta coisa que não nos pertence, quanto desgaste para tentar reter o que, queiramos ou não, será levado de nós mais dia ou menos dia, quanto sofrimento por não aceitar o que já se foi e que teimamos em acreditar que não merecíamos perder! Quando em nenhum segundo fomos seus donos, mas apenas desfrutamos por tempo finito… que independe integralmente do nosso controle.

Uma pessoa de cabelos longos vista de trás. Ela observa um sol que raia.
Pixabay / Pexels / Eu Sem Fronteiras

Os bens, as pessoas, os sentimentos que envolvem… eles chegam e se vão, obedecendo ao seu próprio ritmo, sem que nos caiba poder algum para evitá-lo. Trata-se da Sansara – como nos mostra a filosofia hinduísta – a roda da vida que tem que seguir seu curso, queiramos ou não, para que cada qual, em seu momento, contribua para a grande dinâmica do Universo. Brahma, Vishnu e Shiva: a criação, a manutenção e a destruição, têm que se revezar para que o todo se perpetue. Olhados individualmente, cada um desses momentos se apresenta como sofrimento. Se percebidos de forma sistêmica, podemos compreender que só assim a vida cumpre a sua finalidade, então tudo fica mais fácil pela assimilação do nosso real papel nesse contexto maior. A aceitação é consequência direta da compreensão e tem o poder de extinguir a dor e a frustração da visão parcial.

Se comparado o que estou sentindo ao das pessoas que ainda iniciam suas histórias de vida, esta perda, com certeza, se faz para mim infinitamente maior pela dificuldade de repetir o que foi vivido ao lado dessa pessoa querida, enquanto aquelas terão possivelmente muitas outras oportunidades para alcançarem satisfações bastante intensas que as compensem. Proporcionalmente, pessoas com mais idade que eu também perceberão de forma mais acentuada a sua irreversibilidade. O tamanho do mundo de cada um se faz proporcional à extensão do caminho que divisamos à frente. Essa perda fez com que o meu mundo se mostrasse, de repente, bem menor do que eu o via até há poucos dias, e isso nos acorda para o tamanho da estrada olhada pelo retrovisor.

Só a compreensão sistêmica, no entanto, pode uniformizar a assimilação e proporcionar o conforto comum, independentemente do ponto onde nos encontramos nas nossas trajetórias.

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Esta foi apenas a última das perdas… Mas não a última lição de vida. E, como se faz necessário e enquanto parte dela, eu tenho que cumprir o que me cabe e continuar olhando para a frente!

E – compreendendo – aceitar… Sempre!

Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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