Autoconhecimento Comportamento

Quem controla a vida? Uma conversa sobre estresse, fobias e ansiedade

Garota deitada em grama com flores roxas sobre seu corpo de cabelo solto
Amy Treasure / Unsplash

Nestes dias, em meio a um grupo de adolescentes, joguei um divertido jogo de tabuleiro. Nele, cada participante traçava metas para a vida com relação a trabalho, rendimentos e família e desenhava estratégias para alcançá-las. Contudo, avançava-se conforme a sorte nos dados: ao cair na casa X o jogador era contemplado com uma herança, por sua vez, na casa Y perdia tudo e deveria recomeçar o circuito. Fiquei pensando que esses jogos são bons exercícios para a vida, pois na nossa jornada podemos estabelecer metas, trabalhar para alcançá-las, mas existe um quinhão de sorte que pertence ao destino.

Muitos adultos se deparam com dificuldades para lidar com o que a vida lhes coloca, principalmente quando se trata de aceitar que as coisas não ocorrem tal como se deseja. Projetou-se um final de semana romântico na praia, choveu, houve briga com o/a parceiro/a, enfim. O sujeito passou o final de semana estudando, mesmo assim na segunda, foi mal na prova ou quem ganhou a promoção no trabalho foi seu colega e não você. E, particularmente, na seara dos relacionamentos, torna-se difícil aceitar que o outro pode ter razão ou mesmo outra opinião, que você gosta de um rapaz/moça, mas ele/a não está a fim de você, ou meu parceiro/a pode fazer as coisas do jeito que ele/a quer.

Não poucos ficam irados, não suportando, detonam, mas outros tantos passam a vida procurando evitar que algo escape ao controle, antecipando as possibilidades, ficam prevendo o que pode dar errado; não raro, esta antecipação torna-se uma ansiedade que paralisa. Por exemplo, um sujeito pode presumir “não vale a pena estudar, porque irei mal na prova, mesmo”, “não vou casar, porque todo casamento termina em divórcio”, no limite, “não vou sair de casa, porque alguma coisa ruim pode acontecer”.

Outro tipo de pessoas tenta se prevenir para fugir do imprevisto, daí ingressam na exaustiva tarefa de planejar a vida. Planeja-se toda a rotina diária, sem deixar espaço para o inesperado, mas junto com isso, nada se delega, “deixa que eu lavo a louça”, “deixa que eu arrumo a cama”; este “deixa que eu faço” ocorre porque o outro “não vai fazer as coisas do jeito que eu gosto”. Esta centralização pode ser confortável para quem está próximo, contudo, ela esconde uma falta de confiança e a rigidez do sujeito em questão. Há muitas pessoas com transtornos de ansiedade em diferentes graus em sofrimento porque não temos a vida sob controle.

Mulher em campo com plantas secas usando chapéu e braços abertos e cabelo solto
Tobi / Pxhere

Essa necessidade de controle leva o indivíduo a viver sob permanente estresse e, tal como uma panela sob pressão, o sujeito pode, certo dia, explodir e irromper o descontrole em um episódio de pânico, por exemplo, ou desenvolver alguma doença (no corpo mesmo).

Muitos chegam ao consultório quando a vida fica paralisada, às vezes, a pessoa já não consegue mais sair de casa, porque algo pode acontecer, mas as práticas de controle obsessivo também trazem sofrimento para o indivíduo e para aqueles que com ele convivem.

O controle, certamente se revela uma tarefa inadequada para lidar com a nossa insegurança com relação à vida, uma insegurança própria do viver, pois somos seres vulneráveis, podemos adoecer, nos machucar e, sem dúvida, vamos morrer. Aceitar que nada está garantido é uma difícil lição para o sujeito. Além disso, em um mundo que cobra força, segurança e rendimento, a vulnerabilidade é percebida como uma fraqueza e na tentativa de aplacá-la, emerge o recurso da busca de escandir o espaço e dominar toda a situação.

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É da vida não termos segurança e precisarmos lidar com isso para continuarmos a bem viver. O sentimento de segurança precisa ser construído internamente para a pessoa se perceber com recursos para enfrentar o que vier e não depender permanentemente do script previamente desenhado, porque até nos jogos de tabuleiro, um tanto da sorte depende dos dados.

PS: Vale a pena também dar uma passadinha em um profissional da psi, ele existe não só para os loucos, mas para ajudar a lidar com a loucura das exigências do cotidiano e porque a vida, certamente, pode ficar mais suave.

Sobre o autor

Verónica Aravena Cortes

Psicóloga (Terapia infantil, adultos e familiar, orientação e aconselhamento aos pais).

Graduação em Filosofia/USP e em Jornalismo pela Cásper Líbero, doutorado em Sociologia /USP e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo.

Trabalhou como professora na Universidade Metodista de São Paulo nos cursos de Psicologia, Jornalismo, Ciências Sociais e Filosofia (1998-2018).

Organizou o livro "Chilena tu eres parte no te quedes aparte".

Edita o blog Saber Plural - Psicologia e afins para mentes curiosas.

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