Autoconhecimento Comportamento

Quem está em agonia com a condição humana está sempre mais perto do significado dela

Homem de cabelos cacheados de costas, reflexivo, olhando pela janela.
Escrito por Alline Neto

Perceber os sinais que nos são emitidos ou mesmo projetados pela nossa mente muitas vezes não é tarefa fácil. Eu particularmente fico intrigada com a sutileza de certas mensagens e, muitas vezes, com a clareza das mesmas, coisa que num passado não muito distante eu simplesmente ignorava e dizia a mim mesma: “Isso é coisa do destino” ou “Deus quis assim”. Fico pensando que a minha “cegueira” era tão grande, então minha vida era guiada pelo acaso, por estar em desconexão total com o meu ser e com minha intuição. Não há nada mais libertador do que entender o funcionamento do “seu mundo particular” e tudo que permeia esse lar que é só seu, único e intransferível.

Aí tudo fora é reflexo desse estado interno de cada pessoa….

Temos que aprender a enxergar com os olhos da alma, não com olhos do corpo físico, porque os olhos físicos enxergam a realidade através de uma lente. O problema é que cada pessoa tem uma lente diferente, desenvolvida na infância, pelos meios sociais que tiveram, pela educação que receberam, pela religião pela escola, portanto o que é certo para mim não é certo para você que está lendo esse texto.

Foto em close-up dos olhos de uma menina com traços sino-asiáticos.

Acredito que comecei a retirar essas lentes que me impediam de ver a realidade, e não cabe aqui culpar ninguém se minha lente estava fosca, ultrapassada ou me deixava míope. A responsabilidade de ser o que eu sou é inteiramente minha….

E como saber se estou vendo o mundo de forma “torta” e equivocada? Como saber “ler” a linguagem que não está escrita ou falada, mas que se faz por meio outras formas, para nos orientar, nos mostrar os caminhos, nos proteger e nos alertar. Então estou falando de dois pontos que estão interligados: de um lado eu tenho um “ser” que sou eu em um ponto da minha vida, com uma mente que era ou é automaticamente condicionada. Isso quer dizer: não pensa, não reflete, não ouve e passa pelas situações “boas e ruins” de forma meio desgovernada, sem saber aonde ir, o que quer, o que sente e até mesmo o que me faz bem.

Sendo assim, como eu poderia chegar ao segundo ponto, que é uma pessoa que enxerga com os olhos do coração, sem ser clichê, uma pessoa que vê além das aparências, que não se deixa levar pelo o que os outros dizem, que ouve a voz interna, que se chama intuição, que busca sua verdade, seu próprio caminho, independentemente de isso levar a algum lugar?

Vou dar do meu relato. Não que seja guia pra ninguém, mas acredito que, quando trocamos ideias e falamos de coração aberto, isso toca o coração de alguém de alguma forma, o que é fabuloso.

A certa altura da minha vida comecei a sentir um vazio, uma falta, uma angústia… e olha que sempre fui uma pessoa considerada alegre e de bom humor aos olhos de muita gente, mas no meu íntimo não era assim sempre.

Esse foi o termômetro que me indicou que algo precisava ser olhado, porque não estava indo tão bem assim. Essa é a virada de chave, que acho que todo mundo vai ter hora ou outra, por mais que todos digam “ah, mas você tem saúde, tem motivos apenas para agradecer, não pode reclamar, porque tem gente em situação de miséria, doença e entre tantas outras dificuldades que as pessoas enfrentam, incluindo tragédias mesmo”. Bem, primeiro ponto.

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Se eu tiver que ser grato à minha vida, ao que sou e ao que tenho, não vai ser por comparação com a vida dos outros que estão em condições desfavoráveis. Isso não quer dizer ignorar a dor das pessoas. Na verdade não devemos nos comparar a ninguém. A gratidão tem que ser genuína, tem que partir de uma condição de bem-estar por ser o que sou e por aceitar minhas condições, sejam elas quais forem. Essa gratidão faz eco, ressoa, flui e te coloca no seu centro – seu e de mais ninguém. não te faz “rico” nem “pobre”, nem mais nem menos que ninguém; te faz ser quem você é. Voltando ao fato de sentir o “vazio existencial” que está ligado ao título do texto, retirei essa frase do livro “Espiritualidade para corajosos”, de Luiz Felipe Pondé, em que ele escreveu: “Quem está em agonia com a condição humana está sempre mais perto do significado dela”. Essa dor que parte da insuficiência de algo que eu nem sei exatamente o que é me fez e me faz questionar e buscar entender primeiramente o que me move, os meus valores e um estilo de vida que realmente faz sentido pra mim, além dos meus objetivos, o meu propósito – se é que preciso ter um, porque também essa ideia de propósito no início da minha jornada de autoconhecimento foi um dos meus primeiros questionamentos; hoje vejo que pode ser um fardo achar que vou ser feliz somente se atingir certo propósito. Caros amigos, sempre será confuso, acho que não há outra opção, mas qualquer forma consistente de espiritualidade começa com agonia, com vazio e com enfrentamento da condição humana, que nem sempre é equilibrada; na verdade, é quase sempre o oposto: um monte de desequilíbrios, ambivalências, dúvidas, dores.

Acredito quem nem tudo está bem, mas que tudo faz parte. Ter esse discernimento já me coloca fora dos pensamentos automáticos e uma coisa vai puxando a outra, como numa enorme teia. Quanto mais eu presto atenção em coisas simples à minha volta e paro de me colocar no centro do mundo, mais o mundo vai se abrindo para os olhos da alma.

Esse ponto é extremamente importante – talvez o mais importante e mais desafiador. Como deixar o Eu de lado, o Ego, aquele que quer dinheiro, poder, ser reconhecido, ser amado, quer isso, quer aquilo e nunca está satisfeito? Bem, justamente por esse motivo, de ele, o Ego, nunca estar satisfeito, venho o deixando de lado, pelo menos não o alimentando tanto com coisas desnecessárias. Cada um de nós, se prestar atenção, vai saber o que é desnecessário na vida.

Fotografia de um raio de sol atravessando os galhos de uma árvore em um parque.

Como diz Osho: “Se você quer ser importante, vai estar em um contínuo conflito. Saia dessa corrida de ratos e se sente sob a árvore ao lado da estrada. Ela é extraordinariamente bela e silenciosa.”

Em seu livro “A jornada do ser humano”, ele conta uma história que acho que vale a pena descrever aqui, porque se refere ao fato de que vivemos num mundo em que o Ego domina tanto as pessoas, que às vezes você é magoado ou magoa alguém por causa de uma competição infundada de egos. Seja no trabalho ou na vida pessoal, todos querem se sobressair de alguma forma, mas isso não satisfaz o ser, não traz paz e não traz alegria. Em vez disso, traz vida pro Ego – e a felicidade do Ego não é a felicidade do Espírito.

Bem, a história é a seguinte:

“Um pássaro estava voando com um rato morto em sua boca, e 20 ou 30 pássaros o estavam perseguindo. O pássaro estava muito preocupado. “Não estou fazendo nada contra eles, por que eles estão atrás de mim? Os outros pássaros bateram muito nele e, no conflito, na luta, o pássaro abriu a boca e o rato caiu. Imediatamente todos os pássaros voaram na direção do rato, todos se esqueceram dele. Não estavam contra ele, estavam também na mesma viagem, queriam o rato. Se as pessoas estiverem te magoando, abra a boca, você deve estar carregando um rato morto! Deixe-o cair, depois sente-se, se conseguir sente-se debaixo da árvore e contemple, e de repente verá que elas nunca estiveram interessadas em você. O Ego é o rato morto.”

Pássaros voando enfileirados, em linha reta, ao pôr do sol.

Ou seja para quê carregar o rato? O rato pode ser o fardo que você carrega para fazer parte desse mundo em que os verdadeiros valores são menosprezados. O rato morto pode ser você querendo ser o que não é para ser aceito, para ser reconhecido, para ser olhado, para ser bajulado. O rato morto é o nosso egocentrismo, que nos cega diante daquilo que realmente nos traz felicidade.

Mas quando você se conecta com a sua essência, começa a ver o que vale a pena e o que é real… Por mais que não viva esse mundo de ilusões ou que esteja saindo dele, você não critica o que está no “jogo”, você segue seu caminho com mais leveza e gratidão.

Como se conectar à sua essência, seguir a intuição e estar consciente nesse mundo cheio de coisas pra nos distrair? Primeiramente querendo. O desejo tem que partir de dentro pra fora, a vontade de evoluir saindo da zona de conforto e de pensar que a vida que vai muito além de consumo, vícios, status, poder, dinheiro, prazer já são tomadas de consciência para algo maior, pois você passa a estabelecer o vínculo entre o material e o imaterial, entre sua alma e seu corpo, entre o intelecto e o coração. Esse vínculo é a prática da verdadeira espiritualidade, que produz em nós a sensação de conhecer o significado das coisas… E não estou falando aqui do significado de comprar ou de ter. Estou falando do significado de ser e sentir, de sentir a assinatura de Deus em coisas simples e imprescindíveis para nossa existência, como os raios solares, o ar, a água, a natureza… O outro ser humano como extensão de nós mesmos parece utopia, mas muita gente está trilhando esse caminho e a sensação que tenho é de que esse é o caminho que eu tenho que seguir, pois só de pensar dessa forma já me sinto livre, mais leve mais feliz.

Homem visto de perfil, em pé e de olhos fechados, usando um boné.

A terapia transpessoal está me guiando a uma viagem interna e ao trabalho interno constante, mas ao mesmo tempo vejo que “sei que nada sei” quando penso que está tudo certo, que sei como agir, que não vou repetir antigos erros, e aí me encontro no olho do furacão, agindo e pensando como antes ou até de forma mais catastrófica ainda, mas nesse ponto que está o aprendizado: tomar consciência do que somos, que erramos, que metemos os pés pelas mãos, mas não há nenhum olhar de fora ou opinião alheia que vá ditar minha vida ou me colocar numa”caixinha de moldes de uma vida feliz aos olhos do outro, não do meu.

Não é fácil sair dessa “matrix”. Na verdade, nem sei se devemos, se viemos nesse mundo para aprender algo. Imagino que enfrentar as situações do caminho faz parte da lição de casa que devemos cumprir.

Sobre o autor

Alline Neto

Meu nome é Alline, sou terapeuta transpessoal formada pela Escola de Desenvolvimento Transpessoal de Portugal.

Uma linha de terapia que faz ligação entre a psicologia e espiritualidade.

Ajudar o paciente a lidar com suas emoções é um dos primeiros passos dentro do processo terapêutico, porque melhorar a relação consigo mesmo é a chave para que o exterior seja transformado.

Mas vamos além das questões pessoais, em direção à expansão da consciência, com mudanças de crenças e uma nova visão da vida mais conectada ao Universo, a Deus e ao Sagrado.

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