Entre essas diversas doenças, existe uma chamada FOP (Fibrodisplasia Ossificante Progressiva), uma doença genética, na qual o organismo produz ossos em locais onde eles não deveriam crescer, e isso vai limitando os movimentos do corpo. Nos pacientes que manifestam essa doença, é possível observar a má formação dos dedos grandes dos pés, sendo um sintoma presente em aproximadamente 96% dos casos. São poucos ainda os casos registrados no Brasil, mas com certeza existem outros sem diagnóstico correto.
Esse artigo não é para falar especificamente da doença, mas sim queremos homenagear uma pessoa muito especial para nós do EuSemFronteiras, nossa querida colunista Marianna Gomes, que nos deu o prazer de conviver com ela durante quase 2 anos.
Marianna foi diagnosticada com FOP aos 5 anos de idade. Formada em Pedagogia pela Unimes e estudante de administração de empresas. Diretora de Relações Públicas da FOP BRASIL se autodefine como uma pessoa que está sempre buscando o conhecimento e uma apaixonada por filmes, viagens e aprendizado.
Resiliência e coragem são os atributos que melhor definem essa jovem cheia de garra, que transformou sua dificuldade em aprendizado e ainda fez questão de compartilhar com os outros o conhecimento que adquiriu durante sua convivência com a doença. Infelizmente, Marianna nos deixou em junho de 2018.
Dia 28/02 é o Dia das Doenças Raras, e resolvemos conversar com Sandra, mãe de Marianna, convidando-a a escrever algo sobre sua filha para que pudéssemos homenageá-la. Sandra nos emocionou com sua resposta, denotando todo o amor, força e coragem que conseguiu transmitir à Marianna.
Depoimento de Sandra, mãe de Marianna:
“O site Eu Sem Fronteiras foi um marco na vida da Marianna! Ele salvou a Mary de uma vida sem perspectiva e sou grata por isso eternamente! Criei a Mary tentando fazer com que acreditasse que poderia tudo! Que por ela adaptaríamos tudo! Se não fosse 100%, seria 50%! Mas seria!
Agradeço imensamente todo o amor e compressão com nosso anjo que agora está em esfera superior!”
Além de seu depoimento, Sandra também comentou sobre nosso pedido com a Dra. Patrícia Delai, especialista em FOP e quem acabou se envolvendo com a Associação se tornando uma das fundadoras, assim como Sandra.
“Quando me falou sobre a homenagem, logo contei à Dra. Patricia Delai, especialista em FOP que nos acompanhou desde que a Mary tinha 5 anos! Nos anos mais difíceis e nos últimos anos, ela foi essencial. Muito mais que uma médica! Uma segunda mãe que esteve com a Mary de mãos dadas! Ela me pediu se poderia escrever o texto e eu a atendi. A Torre Eiffel que ela cita no texto era o sonho que a Mary tinha. Ela tinha várias espalhadas pelo quarto!”
Depoimento da Dra. Patrícia:
“A Mary cresceu ouvindo falar que tinha FOP: aos sete anos, seus olhinhos brilhantes prestavam muita atenção, mas porque era interessante, era fascinante ouvir pessoas falarem inglês, outras falarem em superação. E o mais bacana: ela TINHA FOP. E, mesmo assim, podia continuar a brincar, a ser feliz, a ser criança. Não era tão ruim perder movimentos: ela podia se adaptar, sonhar em ver a torre Eiffel, e sabe por quê? Porque todas aquelas pessoas estavam cuidando dela. Se preocupando por ela.
E ela tinha força…
Marianna estudou, lutou para ser alguém. Alguém que se destacasse na multidão por ser bom profissional, por fazer a diferença. Marianna queria ter amigos e sonhar. A Torre Eiffel era possível, bastava acreditar.
Intensa, divertida…feliz.
Esta foi a adolescente que começou a ouvir falar em um tratamento, em um futuro para a FOP. Os movimentos estavam se perdendo, e, ao mesmo tempo que isso a incomodava, Mary sentia que devia ser forte. Sabia que aqueles que lutavam por ela eram guerreiros de primeira: não iriam falhar. Todos os dias, Marianna se superava. A vida apresentava degraus e ela não se negava a subir.
Mas, um dia, um simples sonho fez tudo mudar de rumo, de cor…
Aos 13 anos, ela queria ir ao cinema com as amigas – de ônibus. Qualquer um podia ir de ônibus ao cinema, e, de repente, a Mary viu que era impossível subir no ônibus. Aqueles degraus eram intransponíveis: por mais que ela quisesse, aqueles degraus ela não subiria mais. E tinha sido a FOP. Esta “droga de doença” tinha tirado dela este simples prazer. E foi neste dia, por estes degraus, que Marianna chorou.
Chorou de verdade, incansavelmente – chorou como um adulto.
Aos 13 anos, Marianna aterrissou no mundo real, em que a FOP era cruel e em que os guerreiros que lutavam por ela não tinham tanta força assim. Parte do caminho para a torre Eiffel ficara nos degraus daquele ônibus, que a Mary não pôde pegar.
Vida que segue…
Anos que passam: aniversários, conquistas, esperança, esperança, esperança. Formatura, FOP, FOP, trabalho. Ser útil, ser gente, ter amigos…
O ônibus havia passado, mas quem se importava? Iria a Paris de avião, ninguém vai de ônibus ver a torre Eiffel mesmo!
Foi assim que, entre surtos cruéis, otimismo e esperança…a Mary foi em frente. Desabrochou, riu, cresceu…
Marianna estava a caminho da vida. Isso ninguém poderia tirar.
Intensa e feliz, amando muito, seguia em frente, brilhando em tudo!
Em 2016, a FOP veio impiedosa: dores horríveis, ossos e inchaço fizeram finalmente com que ela se rendesse. Andar era impossível. Havia ido embora o ônibus, para sempre. No lugar dele, ficara a cadeira de rodas, da qual, aliás, ela não gostava.
Veio a vontade de desistir.
Era, porém, isso o que ela tinha: Mary estava frente à frente com a necessidade de aceitar o que não se pode mudar. Teria que aprender a fazer do limão uma limonada e se destacar por ser quem era.
Mary precisou deixar o emprego, mas passou a criar, usar a cabeça para bolar artesanatos em MDF, pintar, fazer decoupage. A cadeira de rodas ia entrar, sim, no avião: ela já sabia que dava, a torre Eiffel estava garantida.
Foi nesta época de inconformismo e mudanças que Marianna passou a ter duas mães. Duas cuidadoras de sua alma, duas fabricantes de esperança. Ela se transformaria na oncinha: ativa, brava e inconformada.
Jamais a falta de movimento a faria parar! Foi a partir deste momento, de frente para o duro desafio de um futuro de imobilidade, que Mary fez da tristeza raiva e se mobilizou.
Ela sabia que os estudos clínicos com drogas novas que estavam chegando não iriam ajudá-la. Ou talvez, até fossem, mas o tempo – ah o tempo…! – estava passando rápido demais, e levando com ele movimentos, saúde, trazendo pernas cada vez mais inchadas, feridas.
Entre internações, idas e vindas de médicos, hospitais, Marianna se tornou obstinada. Era preciso ajudar. Era o tempo se escoando, e ela sabia.
Os últimos dias foram de batalha. Desta vez de mais datas e lado a lado com seu time de guerreiros. Foram os últimos dias de uma bela história que marcou para sempre o caminho de muitos. Marianna conseguiu fazer a diferença. Tocou a vida de muitos, tirou tantos da escuridão da falta de diagnóstico.
Ao fechar os olhos Marianna, finalmente descansou. Mas não foi o descanso da morte: foi o descanso da missão cumprida.
Aquele ônibus havia passado, mas a torre Eiffel… ah, a torre Eiffel… Esta, Mary estava livre pra ver e ir quando quiser, principalmente por que sempre acreditou que era POSSÍVEL.”
Agradecemos imensamente à Marianna, por sua participação e seu legado àqueles que enfrentam a doença. À Dra.Patrícia, pelas lindas palavras e por toda sua dedicação. E, especialmente, à Sandra, mãe de Marianna, por ter sido forte o suficiente para criar uma mulher igualmente forte. Mulheres fortes, presentes e verdadeiramente comprometidas com o amor incondicional, o sentimento que deveria reinar em todas as relações humanas.
Mais informações sobre FOP: Visite o site da organização no Brasil e a página FOP BRASIL no Facebook. Associação FOP BRASIL: fopbrasil.org.br| Facebook FOP BRASIL
Você pode ajudar divulgando e se informando. Existem muitas outras doenças raras que precisam de ajuda. O mínimo faz toda a diferença para nós.
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