Capítulo 15 – TODO RECOMEÇO É UM REENCONTRO
Todo recomeço é um reencontro
(Casaco Marrom, Renato Correa, Danilo Caymmi e Guttemberg Guarabyra, interpretação de Evinha)
Eu vou voltar aos velhos tempos de mim
Vestir de novo o meu casaco marrom
Tomar a mão da alegria e sair
Bye bye si si, nous allons
Copacabana está dizendo que sim
Botou a brisa à minha disposição
A bomba H quer explodir no jardim
Matar a flor em botão
Eu digo que não
Olhando a menina
De meia-estação
Alô coração,
Alô coração, alô coração
Eu vou voltar aos velhos tempos de mim
Vestir de novo o meu casaco marrom
Levei tempo para descobrir que todo recomeço nada mais é que uma oportunidade para que a pessoa se reencontre, se descubra e saboreie a esplêndida capacidade de ser ou de pelo menos de ter sido! É preciso ter vivido muito tempo e ter experimentado recomeços em cada pedaço desse tamanhão de tempo, além de ter prestado atenção aos portais de recomeços por onde passaram as pessoas e como elas se mostraram após essa passagem. E aqui cabe o relato que me foi concedido por pessoa de extrema sensibilidade para significados que apenas luzem, mal dando tempo para que sejam entendidos de imediato. Contou-me que precisava recomeçar a viver após longo período de doença devastadora que lhe tomou a beleza e a plástica corporal que tanto determinaram suas formas de agir nos relacionamentos. Cortejada, jamais precisou conquistar ninguém… Cada parceiro chegava-lhe depois de longo e severo processo de escolha… E sempre escolhia errado! Doente, perdeu os atrativos. Curada, enfim, após longo sofrimento em meses de hospitalização, descobriu-se diante de um recomeço para o qual jamais tivera preparo algum ou teria suposto que ocorreria. O novo olhar para a vida e para as pessoas mostrou-lhe que deveria recomeçar a viver com foco no que sempre tivera de melhor, mas não se dera conta: sua presença e expressão rica e articulada, o que sempre exercia fascínio sobre pessoas que não se perdiam com o meramente estético. E aqueles relacionamentos errados que se repetiam passaram a ser substituídos por outros, nascidos e sustentados pela capacidade de cativar as pessoas por meio do que fora escondido pela beleza e pela estética: uma espiritualidade.
O recomeço de tudo na vida, seja em que campo for, sempre oportuniza a que a pessoa volte aos tempos e aos valores que melhor construiu: entre eles a capacidade de enfrentar as demandas da vida e o resgate de valores pessoais que sempre existiram mas que possam ter sido adormecidos por falta de uso.
Mesmo que o projeto de recomeço não tenha sido levado a efeito, pelos motivos mais variados, sempre ficará uma espécie de bônus para a pessoa (o casaco marrom da música?): o melhor de si está na capacidade de retomar sonhos e projetos, não somente na sua concretização. Nos recomeços há um enorme aprendizado que envolve a alma da pessoa e que a faz sentir-se (e ser…) muito melhor. O primeiro deles, poderosíssimo, é a (re) descoberta de si mesma e da capacidade de manter-se responsável pela felicidade pessoal, que é, por si só, tudo de melhor que uma pessoa possa contar seguir. É aprendizado que transforma e não seria exagero afirmar que o faz de forma a libertar a pessoa para ir muito além do que tenha conseguido. E já que se pode escapar do temor de exageros, é muito saudável apostar no recomeço como um renascimento.
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Outro aprendizado que caminha junto com os passos de um recomeço, seja qual for, é relativo à (re) conquista da autonomia. Isso significa que um recomeço pode vir a ser a bênção que podia estar faltando no reconhecimento de que é preciso sempre contar consigo mesma: uma pessoa, em tudo, é única e soberana, mesmo que muitas regras da sociedade insistam em impor limites e obrigações nem sempre razoáveis. A autonomia é a condição essencial para viabilizar a ideia de um recomeço, o que é a grande linha de defesa da pessoa contra os que nada mais têm a dizer além de julgamentos do tipo: “Já não deu certo uma vez, para quê insistir?”. E há também uma blindagem contra as profecias que costumam ser disparadas pelos conformistas e fatalistas de sempre. A autonomia é uma muralha contra tudo isso e muito mais, que justificaria até um livro inteiro apenas para ser descrita.
Os quatro primeiros versos da música que apadrinha este capítulo final do livro são preciosas evocações do reencontro de que precisamos a todo momento, enquanto estivermos perseguindo o sonho da felicidade pessoal: podemos ser melhores e originais a cada instante da nossa existência, por isso o reencontro com nossos valores e com as nossas forças se mostra extremamente salutar e transformador. Os “velhos tempos de mim” podem ser aqueles tempos em que melhor nos vemos e sentimos, porque estamos felizes (ou próximos disso) e o “casaco marrom” é uma alegoria complementar, suponho, para caracterizar os tempos bons, nos quais vestir-se de felicidade pode ser um sinônimo para o casaco marrom (ou para um vestidinho azul com flores amarelas…). O que importa é o significado de ser feliz na dimensão do tempo e nas suas diversas representatividades.
Finalmente, o outro verso da música, “menina de meia-estação”, entendo como o estágio da maturidade em que o viço e os sabores da juventude encontram-se presentes. Juntas, a força da maturidade e a energia da juventude, formam uma combinação muito poderosa, exatamente aquilo de que precisamos para seguir adiante. Saber disso e confiar na sua permanência como vitalizador de uma existência é a grande bênção que nos reserva a maturidade emocional, a aludida meninice da meia-estação da existência.
Recomeço é reencontro com o que há de melhor em cada ser humano! Não fosse assim, teríamos uma vida linear na qual a sem-gracice reinaria numa eterna trajetória de previsibilidades. E o melhor de cada indivíduo é sempre ele mesmo e suas capacidades potenciais e desenvolvidas de bem construir a sua vida.
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