Hoje os contornos estão embaçados. As paredes não separam as circunstâncias em nuances. As retinas atordoam as sensações como quem nega as próprias vontades por necessidade. Vendo a vida de fora, vez ou outra estarrecemos por precisar partir, por precisar explicar o que não conseguimos entender. Ela é o ensino sem didática que não poupa ninguém.
Minha cabeça gira como quem recém saiu de um balanço grosseiro, de uma freada violenta em meio ao trânsito caótico da capital. Ninguém presta atenção no tanto que vê. Liquidamos as esperas em pedaços imensos de esperança que só fazem o tempo esgotar. Triste sina de aguardar o amor atrasado, o ensaio sem roteiro. Por mais que seja difícil, em algum momento será preciso sair da existência fadada de ser quem se é para compreender as perdições de querer continuar sendo o que não se escolheu ser. Mudamos as lentes para configurar as novas brechas e emancipar novas tentativas. Desistir de um amor é paliativo, mas eficiente em determinadas ocasiões. Novos sofrimentos, pois.
A alegoria que a saudade encerra me parece ser a transcendência de um plano que nunca será real. Querer alguém perto e não poder viver sua presença atravessa o peito como um estilhaço amarrotado que fuzila. A dor da falta é amenizada com a lembrança – que tantas vezes parece soprar o perfume da ausência. A ilusão carinhosa de um carinho conhecido e de uma voz que traz paz. Ainda que bagunce toda a normalidade que antes existia, não perde o sentido de ser simplesmente pelo fato de reconfigurar o ser nesse novo sentido. Joguete de vocábulos incrédulos pela capacidade que certas pessoas têm de contornar nossos abismos e fazer morada nos interstícios mais encabulados da nossa existência.
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Ao servir o café pela manhã, insisto na temperatura mais alta. Torço, ao sair, pelo vento forte e pelo sol que marca. Nunca fui de meias medidas. Não gosto de iniciar se não for de cabeça, de corpo e de vida. Toda a entrega, para ser real, é preciso que parta de dentro. Quando as entranhas acusam qualquer indício de interferência, recomendo que ouçamos e nos permitamos. Sempre escolho chegar, pois sei que suporto, se assim tiver que ser, a dor da partida, mas nunca aprenderei a suportar a dor da parcela e da espera duvidosa. Pode chegar, mas peço que mostre sempre a que veio. A rejeição nunca doerá tanto quanto a falta de empatia.