Dois verbos latinos. Afinal, abordarmos a seguir um tema curioso e ao mesmo tempo simples e fácil de compreender.
Nesse caso, em vez de Deus e o Diabo, digladiam-se dois verbos latinos. Ninguém discute que religião (palavra existente em português desde o século 13) seja um termo derivado do latim religio, religionis – “culto, prática religiosa, cerimônia, lei divina, santidade”. A questão é a seguinte: de qual verbo esse substantivo é a forma nominal, relegere ou religare?
A visão mais tradicional e respeitável, pela qual me inclino, aposta na primeira opção. Relegere, isto é, “reler, revisitar, retomar o que estava largado”, pode ser visto nesse contexto como o ato de reler e interpretar incessantemente os textos de doutrina religiosa ou, quem sabe, como a retomada de uma dimensão (espiritual) da qual a vida terrena tende a afastar os homens. Essa tese era defendida na antiguidade por Cícero e foi compartilhada no século XIX pelo latinista português Francisco Rodrigues dos Santos Saraiva, autor do influente dicionário que leva seu nome.
No entanto, na antiguidade tardia – e entre muitos autores modernos, como o contestado etimologista brasileiro Silveira Bueno –, ganhou popularidade a tese, provavelmente romântica, que liga o vocábulo religião ao verbo religare, “religar, atar, apertar, ligar bem”. A ideia de que caberia à religião atar os laços que unem a humanidade à esfera divina tem lá sua força poética, o que talvez explique o sucesso dessa versão. Diga-se que em autores clássicos, porém, o verbo religare é estritamente prosaico, empregado com o sentido de prender os cabelos ou enfeixar a lenha.
Ligar mais uma vez; ligar outra vez de maneira mais segura; atar; ligar, unir, prender melhor.
Entretanto, caros leitores, a versão mais verdadeira sobre o tema religare é nossa religação ao Criador como fonte de energia para que o ciclo não se finde e nunca se esgote. Dentre todas as definições e possíveis leituras terrenas, nenhuma apresenta na sua versão a importância de que cada alma e criatura deva retornar de forma mais segura e merecedora possível ao seu Criador. E seria Deus o único criador de seres? E seria Deus o fabricante de almas? E seria Deus o comandante de todas as energias que circulam nessa orbe e em tantas outras? E estaria mesmo Deus na fonte inesgotável que consome todos os grãos de sua mais completa, imperfeita e inacabada criação? Seria Deus o responsável pelas mazelas e benfeitorias de todos os ocorridos na Pangeia e em outras moradas da criação?
E como resposta a algumas dessas perguntas, ficam em minha mente as pessoas humanas ligadas desde a sua criação a um tubo; o cordão umbilical por onde a vida passa a se nutrir e a se desenvolver e o tubo indesejável de plástico por onde ninguém deseja estar ligado para se desligar dessa mesma vida ou por ele próprio poder retornar a ela, já que os laços do cordão umbilical não são mais existentes, tampouco seriam eternos.
Como resposta a essa soberania de Deus, é que sim, é Ele o detentor de toda a energia contida em todas as coisas. Como descrito em muitas literaturas religiosas, as quais não necessitamos pensar ou citar aqui, Ele é a inteligência suprema, criador de todas as coisas, ao qual todos estamos ligados e seremos religados.
Exceto a alguns obreiros especiais, oriundos de fórmulas especiais de criações diferenciadas, todos nós estamos presos a essa energia incrível e suprema atada e presa a nós. Fruto de nossa esperança e gratidão, momento de graça e misericórdia em nossas preces como alguns chamam, raiva e indignação nos sofrimentos e provações, mal e bem da humanidade que segue como um rebanho obediente a todas as suas leis. Ele está no centro da criação que governa e desgoverna o mundo, porque assim é necessário que seja. Ele não está personificado em esculturas, desenhos e palavras e nenhuma tentativa de esboço de sua existência será passível para o descrever em seu pouco entendimento humano para o momento.
Retornar à Fonte e passar pelo processo de depuração necessário ao corpo, ao espírito e à destruição da alma de forma irreversível podem demorar alguns séculos e milênios de idas e vindas, retornos e retomadas, redirecionamento de tarefas e missões a cumprir, apenas com o propósito de continuar preso, atado, ligado ao Pai Criador, ligado pelo fio fluídico que é tão sensível e tão vulnerável. O que podemos dizer sobre isso para o momento é que se atentem ao termo “religar” como forma não somente como “o instante de voltar ao domínio do Pai”, mas, principalmente, a estar conectado ao seu orbe de origem, estar atuante em seu orbe atual e estar preparado para a atuação no orbe futuro.
- Tri=passado, presente, futuro
- Tri=criador, criatura, criação
- Tri =nascer, viver, morrer
Se aqui houver mais necessidade de alguma explicação que seja mais clara do que esse pequeno conjunto de palavras, significa que não estão preparados ainda o seu coração e sua inteligência para compreender. E se os profetas e os cientistas tentarem por meio de todo o sempre provar que o religare está ligado a Deus, enganoso e em vão será o seu trabalho.
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Não há Deus maior do que estar ligado a si próprio com seu sétimo olho aberto e mantendo a concentração na tarefa que foi programada para ser executada.
Tolo é o ser humano que ainda não compreendeu que vive apenas para si ao longo dos milênios e não mais por esse motivo nasce e morre sozinho ligado e religado ao tubo da fonte do seu Criador.