A relação das pessoas com as roupas sempre foi intensa, principalmente a das mulheres. Moda e estilo é algo que muitas vezes é fundamental para elas. Em alguns casos, esse vínculo acaba virando uma relação de vício e na, maioria das vezes, essas mulheres acabam perdendo seu próprio estilo.
Para ajudar aquelas pessoas que têm uma relação difícil com as roupas e a moda, conversamos com Mariana Pellicciari sobre o movimento Roupa Livre. Leia a entrevista e descubra uma nova forma de enxergar essa ligação e, ao mesmo tempo, repensar o seu consumo e a relação com o mundo.
Eu sem Fronteiras: O que é o movimento Roupa Livre?
Roupa livre: É um projeto que cria alternativas à forma descartável de consumir roupas, buscando aproveitar ao máximo o que já existe pronto e ao, mesmo tempo, incentivar a criatividade de encontrar soluções para lidar com o excesso que temos no mundo hoje.
Ele funciona por meio de iniciativas para que as pessoas possam criar uma relação mais carinhosa, cuidadosa e afetiva com as roupas que vestem, conectando quem busca este outro tipo de relação e propondo eventos, cursos, mentorias, livros digitais, mapeamento de iniciativas, produção de conteúdos, criação de um aplicativo de trocas e muita mão na massa.
Eu sem Fronteiras: Como surgiu o projeto?
Roupa livre: Há pouco mais de 3 anos, eu estava questionando o meu trabalho e buscando algo novo, já que o mundo da publicidade não me realizava mais. Foi quando participei de uma oficina de Re-Roupa, com a Gabriela Mazepa. Cortar pela primeira vez um vestido e transformá-lo em uma saia e uma blusa mudou algo pra sempre dentro de mim.
Juntei isso com o meu desejo de questionar o consumo como um todo e as coisas começaram a se encaixar. Comecei, então, a produzir as oficinas da Gabi e o meu interesse pela costura aumentou, até que fui fazer um curso de costura com a Elisa Dantas, da Costureirinha. Contei das oficinas e logo surgiu a ideia de fazermos um evento juntas.
O Roupa Livre nasceu como um evento único pensado por nós três, eu, a Gabi e a Elisa. Quase três anos depois, já foram mais de 50 atividades promovidas pelo projeto, com mais de 40 pessoas oferecendo ou apoiando atividades e mais de 1.200 participando. Estimamos que mais de 3.500 roupas tenham circulado pelos eventos que a gente já promoveu, ganhando vida nova depois deles, estendendo o seu ciclo de vida e substituindo a necessidade por mais peças novas pela criatividade em praticar este novo olhar.
Olhando de trás pra frente, percebo que o Roupa Livre cresceu de um evento para se tornar um movimento de uma forma muito natural. Não planejamos que fosse assim, mas acabou acontecendo. Fomos entendendo que além de fazer eventos e oficinas, onde as pessoas praticam e experimentam uma nova relação com as roupas, podíamos contribuir fornecendo informações e outras soluções para ajudá-las a terem esse novo olhar sobre as peças.
Eu sem Fronteiras: Quem faz parte da equipe?
Roupa livre: Hoje, entre eu, Gabi e Elisa, cada uma delas toca o seu projeto individualmente, sendo que só eu segui tendo o Roupa Livre como o projeto principal. Elas seguem contribuindo para fazer o projeto rolar, porém, em iniciativas pontuais. E é assim com cada iniciativa, grupos de trabalho se formam para realizar tarefas específicas. Somente eu participo e participei articulando todas as atividades até hoje. Além de mim, a Bárbara Porner, estudante de moda da UDESC, atua de forma mais fixa.
Ela contribui articulando as oficinas, produzindo as iniciativas junto comigo, principalmente em Floripa, onde moro atualmente, e escrevendo para o blog. O Henrique Rangel, nosso desenvolvedor, também tem uma contribuição recorrente e superpresente. Ele é o cara dos códigos do Roupa Livre App, fazendo as trocas rolarem pelos celulares Brasil a fora. E o Larusso, que é o designer do projeto e cuida de toda a identidade visual.
Eu sem Fronteiras: Por que a ideia de criar um espaço de discussão, de pesquisa e costura de roupas?
Roupa livre: Já existem roupas prontas para várias gerações nesse mundo. Para fazer uma calça jeans, a gente gasta dez mil litros de água. Diariamente, toneladas de sobras de tecidos são jogadas fora. E muitas pessoas são exploradas no processo de produção desenfreada de roupas.
Isso não quer dizer que é preciso deixar de se sentir bem e confortável com o que vestimos. Dá pra ter estilo próprio sem prejudicar as pessoas e o planeta. A gente acredita que não precisamos, como humanidade, de mais roupas novas, precisamos de um novo olhar.
Queremos encontrar formas de fazer durar mais, distribuir conhecimento sobre a forma de produção para que as pessoas questionem e se empoderem mais por estar mais perto da forma como as roupas são feitas. Só assim entenderemos de fato o que está envolvido nesta produção.
Eu sem Fronteiras: O que vocês acham das grandes marcas que, na maioria das vezes, acabam se aproveitando do trabalho humano para lucrar?
Roupa livre: É um absurdo sem tamanho, mas infelizmente faz parte de como os negócios são estruturados para existir atualmente. Mas não é porque esta é a forma como as coisas acontecem que devemos nos conformar ou até deixar de buscar fazer de outras formas.
Por isso, além de buscarmos diminuir a exploração por parte das empresas, precisamos exercitar fazer negócios e distribuir bens e itens, como as roupas, de maneiras inovadoras e criativas que possam resolver estas questões. Incentivamos muito as alternativas da economia circular, que promovem a troca, o empréstimo, a revitalização e outras formas de transacionarmos coisas e preservarmos ao máximo o seu tempo de vida útil, sem demandar a produção de cada vez mais em condições cada vez piores.
Eu sem Fronteiras: O que pensam de pequenas lojas locais, como a Oi gracia, de Porto Alegre, que cria e costura os próprios vestidos?
Roupa livre: Não conheço especificamente esta loja, mas acredito muito que o poder de fazer diferente está na mão dos pequenos produtores locais. São iniciativas com muito mais flexibilidade para a mudança e normalmente com equipes mais enxutas, o que faz com que sejam mais ágeis em fazer de formas diferentes. Acredito que o consumidor, ao apoiar e escolher estes produtores, pode incentivar esta forma diferente de fazer.
Eu sem Fronteiras: Quais os planos para o futuro?
Roupa livre: Seguir propondo as iniciativas que já estamos desenvolvendo e conseguir estruturá-las para que estejam em cada vez mais lugares e cada vez mais acessíveis. O objetivo é fazer com que estas formas alternativas de lidar com as roupas sejam tão fáceis, práticas e sedutoras quanto as predominantes atualmente.
Eu sem Fronteiras: A roupa diz muito sobre nosso estilo. Vocês acreditam que dá pra se vestir bem, criando as próprias roupas, garimpando com as amigas?
Roupa livre: Com certeza, eu, pessoalmente, estou há três anos renovando o guarda roupa basicamente em encontros de troca. Não comprei nenhum item novo neste período. Tem muita novidade no armário das amigas que para elas é um entulho e para nós chega com novos ares.
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Eu sem Fronteiras: O que acham dos brechós?
Roupa livre: Outra alternativa excelente para encontrar novidade no que já teve uso. E além de tudo, são modelos de negócio que fazem cada vez mais sentido, crescem e vão ganhando novos ares para superar preconceitos que algumas pessoas podem vir a ter com relação a comprar em brechós.
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Entrevista realizada por Angelica Weise da Equipe Eu Sem Fronteiras