Eu pensei que ia morrer. Sinceramente, e sem intenção de drama, eu pensei, ou mais precisamente: tinha certeza que ia morrer.
Tempo teve para aceitar, a partida da filha que há anos sonhava em morar fora do nosso Brasil.
Mas, sabe como é: quando não queremos acreditar em alguma coisa, criamos estratégias covardes para não enxergar o fato.
E no ato, eu senti que ia morrer.
Quando a última chamada para o voo AC 091 Da Air Canadá anunciou a realidade, do embarque imediato, aí sim, eu entendi que o futuro era o agora. E sofri, com o sentimento antecipado da saudade que insistia em se antepor ao orgulho, de sentir a filha exalar nas palavras, o hálito, o bom perfume dos determinados.
Meu coração acelerou, ainda mais que os pensamentos maternos desmedidos em preocupação.
Imediatamente me transportei para um passado não tão remoto, onde a ideia era ainda um sonho. E na sequência, um oco pulsante instalou-se no meu cérebro.
E na mesma velocidade, minha respiração disparou um baticum dum arrítmico. E encolheu meu coração. Espremeu. Sabe uma uva passa? Todo meu corpo se contraiu. E tremeu.
E sinceramente pensei: que ridículo, vou morrer aqui, no aeroporto de Guarulhos! Vou enfartar ter um AVC. Talvez seja um bom dia para morrer – como sou egoísta – eu pensei.
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Todos que lá estavam despediram-se, ou eu me despedi antes de todos, não lembro bem. Quadro em aquarela lembra seu rosto e apenas ele, olhos brilhantes diretos nos meus olhos, os nossos, dissolvidos em água: “Mãe, obrigada por me deixar partir”.
Ah, filha minha, como não deixar partir? Que direito tenho eu?
Pensei: você partiu quando saiu de mim. Só eu não percebi.
Minhas 3 bonecas, minhas 3 meninas, nunca foram minhas.
Os amigos e parentes, quase todos, me mostravam o lado bacana dessa oportunidade, validavam a tristeza, mas não entendiam que meu coração só sabia diminuir.
Burra não sou das oportunidades eu sei bem.E foi então, que Carla, a amiga médica, corintiana inquieta que me chama de porquinha, deu o tranco amoroso necessário: “Vou receitar florais e homeopatia, se em 4 meses esse luto não passar, vamos entrar com um antidepressivo”.
Todo dia era dia de choro. Choro com engasgo, com nariz escorrendo, com lágrimas a descer pelo decote adentro e a dor – angústia – no peito que não dava trégua.
Quando a saudade apertava, eu pensava nos pais, amigos meus, que perderam os filhos para a morte. Essa sim era real! Então, me sentia pior ainda.
Passaram-se os dias, tão devagar. Meses, até completar os quatro limites.
Imergi no trabalho e na vida pessoal. Adquiri novos hábitos. Fiquei mais preguiçosa, menos perfeccionista, não me impus desafios desnecessários, aceitei minha dor sem minimizar o motivo e aprendi a rir do que nem graça tem. Desfoquei da saudade e também do tempo do reencontro. E a saudade assim como o tempo, foi ficando mais frouxa.
Era domingo 14 de abril de 2019, quando pensei que ia morrer de saudade. Hoje, 14 de janeiro de 2020, dia em que escrevo sobre saudade, engraçado, só agora me dei conta: fecha-se o ciclo de uma gestação. E quem renasce agora sou eu. Mais confiante, conhecedora, de uma mulher menos esquiva para os acontecimentos inevitáveis. Saudade, sensação profunda de falta e distanciamento. Bem descreve uma mistura de sentimentos – incluindo o de perda – mas principalmente o de amor.
E num copia e cola transcrevo da Wikipédia uma valiosa informação do mito secular: segundo o qual a palavra ‘saudade’ só existe na língua portuguesa, não tem vocábulos equivalentes em outras línguas e não tem tradução. Não é verdade. A teoria ganhou renovada popularidade quando a empresa britânica Today Translations promoveu uma listagem das palavras mais difíceis de traduzir adequadamente, com as opiniões de mil tradutores profissionais. Saudade ficou em sétimo lugar.
Segundo Carolina Michaëlis isso acontece por ser uma palavra corrente, indissociável da cultura portuguesa e com um significado complexo.
Tão complexo como é a saudade sentida, aqui, lá no Canadá ou qualquer lugar do mundo, é sempre a mesma coisa.
Ah, e a gente sobrevive a ela, sim.