Acabei de assistir à série “O Gambito da Rainha” e senti muita vontade de escrever sobre a importância de nos sabermos acompanhados e pertencentes. De nos sabermos cuidados, olhados, admirados. Enfim, da importância do outro em nossa vida.
Estamos tão encerrados em nós mesmos, em nossos desejos e em nossas metas que descuidamos das relações e deixamos de lado justamente o que nos apresenta e nos leva ao mundo: o relacionar-se com outras pessoas.
Viramos robôs!
Não podemos sentir, não devemos demonstrar dor, fraqueza, nem chorar, xingar, reclamar. Devemos, sim, manter um sorriso no rosto, falar num tom adequado, ter peso e medidas de manequim e principalmente não podemos envelhecer.
Mas cadê o humano que somos? E o que nos torna humanos senão o medo, a fragilidade, o egoísmo, a raiva, a inveja, o entusiasmo, a alegria, o amor, o envelhecer e a morte?
O que nos mostra a todo instante essa humanidade senão as pessoas que nos cercam? Sejam familiares, amigos, colegas de trabalho, seja um estranho que cruza nosso caminho na rua e nos desperta sentires inexplicáveis e/ou inusitados?
Por que queremos fingir ou fugir dessa realidade humana que vivemos?
Por que acreditamos que sofremos menos nos enganando, fingindo que não sentimos nada ou que só sentimos os ditos bons sentimentos?
E se, em vez de nos julgarmos, de classificarmos as emoções como boas ou más, certas e erradas, simplesmente reconhecermos que as sentimos?
E se, em vez de mergulharmos na solidão em que vivemos, conseguirmos olhar o outro como humano, assim como nós?
Será que, ao nos percebermos e ao nos aceitarmos como falhos, cruéis, mesquinhos, fofoqueiros e egoístas, não conseguiremos ser mais generosos com as pessoas quando elas nos magoarem agindo de forma violenta, mentirosa, julgadora e injusta?
Será que, ao percebermos que sem querer magoamos, não seremos capazes de, ao sermos magoados, olhar de um outro lugar que não o da vingança, da mágoa e do distanciamento?
Faço todas essas perguntas porque a série “O Gambito da Rainha”, pelo menos pra mim, expõe tão claramente que não conseguiremos sozinhos. Que, se ficarmos sozinhos, mergulhamos em vícios, entorpecemo-nos e seguimos uma ilusão de que estamos vivendo embora estejamos nos deixando levar pela dor.
É quando Beth, a protagonista, vê a admiração, a confiança, a torcida, a presença e o apoio de algumas pessoas que ela é capaz de vencer e se saber forte sem a bebida e sem as pílulas.
É jogando em parceira, em família, que ela vence.
E família, no contexto dessa série, não é a biológica, mas aquela cujos laços foram sendo tecidos. A irmandade vem de uma colega de orfanato. A mãe possível foi se constituindo após perdas e desafios.
Enfim, o que quero transmitir com este texto é que somos todos iguais, cada um com crenças, modos, características físicas; cada um com sua singularidade, mas todos com dores, vitórias e derrotas que marcaram a maneira como caminhamos. E que, se conseguirmos genuinamente olhar pro humano que somos, saberemos que o outro não nos ataca, não nos agride propositalmente ou por pura maldade e falta do que fazer. Saberemos disso porque enxergaremos em nós as mesmas ações que percebemos no outro.
Não somos perfeitos, não somos exemplos, não somos cem por cento amáveis. Pelo contrário! E quando temos essa consciência, a figura do vilão deixa de existir.
O culpado, o errado, o responsável por todo o nosso sofrimento deixa de encarnar fisicamente numa pessoa ou em outra. Compreendemos nesse instante que não existe “O” mas o NÓS — eu, você, aquela amiga, uma tia, nossa mãe, nosso pai…
Quando essa figura deixa de consistir nesse lugar de responsável ou culpado por nossos fracassos ou dores, torna-se possível novas formas de relação.
Quando nossa humanidade estiver escancarada, a compaixão, a generosidade e o amor terão mais espaço porque não estarão submersos e enterrados embaixo de tantas outras emoções que insistimos em fingir que não sentimos. E que, justamente por fingirmos não existir, tomam espaço, invadem-nos e nos encerram nela sem que percebamos, afinal, para nós, em nossa ilusão, elas nem existem.
Convido você a abandonar o individualismo em que naufragamos, a observar ao redor e a notar aqueles que te cercam. Convido você a remar junto e a colaborar, não a competir. Convido você a pertencer à raça humana com toda dor e beleza que ela traz consigo.
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