Setembro Amarelo

Setembro amarelo: Impactos da pandemia na saúde mental das crianças

Garota triste segurando um urso de pelúcia.
altanaka / 123RF
Escrito por Eu Sem Fronteiras

Como é bom ser criança! E essa frase não se refere só ao fato de brincar ou aproveitar que ainda não temos responsabilidades de adulto para lidar. É uma etapa essencial na vida de toda pessoa, em especial a primeira infância, pois tudo acontece nos nossos primeiros anos de vida. Mas a infância inteira, até os 12 anos incompletos, é fundamental para nos desenvolvermos bem emocionalmente e desfrutarmos as fases posteriores de forma equilibrada.

É durante a infância que também começamos a estabelecer contato com o mundo externo, saindo da nossa relação exclusiva com nossos cuidadores (pais ou outros responsáveis) e iniciando a nossa socialização fora de casa. Fazemos amigos, temos contato com outras opiniões, costumes e até mesmo encargos — como, por exemplo, obedecer às regras da escola e respeitar os professores.

Essa troca só é possível quando a criança tem contato presencial com outras pessoas, na escola, no balé, na natação e em outros tantos ambientes. Essa necessidade é muito bem representada pela máxima “O homem é um ser social”, de Aristóteles. Precisamos estar em contato com outros indivíduos para que possamos enriquecer as nossas experiências e as deles.

A importância da socialização para o aprendizado

A socialização é uma habilidade essencial na vida de uma criança, pois propicia o amadurecimento psicológico dela. É definitivamente algo que precisa ser aprimorado durante o desenvolvimento cognitivo dos nossos pequenos humanos.

É preciso que se promova o contato dessa criança com outras da mesma idade, pois é esse processo que faz com que ela se identifique no contexto social em que está inserida. E essa interação se dá, em sua maioria, por meio das brincadeiras, quando ela desenvolve capacidades intelectuais, criatividade, compartilhamento, empatia, sentimento de pertencimento, dentre outras habilidades.

A socialização infantil é uma das peças fundamentais do quebra-cabeça da aprendizagem, e o ambiente escolar é justamente o canal de convergência, o meio que viabiliza esse processo. É a escola que promove a nossa aquisição de vários saberes, não só os intelectuais, como também, e principalmente, os sociais, afetivos e emocionais, em especial aqueles que nos tornam parte de uma coletividade.

Uma nova realidade social

Em 2020, o mundo moderno experimentou uma realidade que mudou consideravelmente a forma como as pessoas se relacionavam. Com a pandemia da Covid-19, uma doença desconhecida e ainda com desdobramentos depois de mais de um ano, veio uma situação que só víamos nos filmes: a quarentena.

O isolamento social e as medidas de distanciamento nos obrigaram a ficar afastados fisicamente daqueles que nos são caros. As famílias passaram a se “reunir” por meio de encontros on-line, a extensão da nossa convivência foi “podada”.

As escolas, após uma reestruturação meio que repentina, tiveram que tornar possível pelo menos a continuidade de aquisição dos conhecimentos didáticos. Com isso, vieram as aulas on-line e o distanciamento até que pôde ser minimizado, pois algumas crianças tiveram a oportunidade de ver os coleguinhas pela câmera de seus computadores, tablets ou celulares.

Menina estudando em um notebook.
Annie Spratt / Unsplash

Mas, além de não ser a mesma coisa que estar em contato físico, nem todas as crianças tiveram essa oportunidade. Sabemos que, no Brasil, o ensino público não dispõe completamente de recursos tecnológicos nem todas as escolas públicas tiveram a capacidade de mitigar essa perda qualitativa e quantitativa no ensino.

A pandemia acabou por acender um holofote e direcioná-lo para o abismo social que ela trouxe para os menos afortunados. Mas essa é uma questão que merece um desenvolvimento exclusivo. Não podemos deixar de fazer uma análise breve, pois esse fator também contribui para a piora na saúde mental de nossas crianças.

Depressão, ansiedade e tédio

Apesar de serem mais entusiasmadas com a vida, curiosas e cheias de energia, as crianças foram completamente impactadas com o distanciamento causado pela pandemia do novo coronavírus. Sim, ouvimos falar de tédio, ansiedade — e até mesmo depressão — em fases tão tenras da vida, em que esses transtornos não deveriam ser as cores que pintam a vida dos nossos pequenos.

Houve uma limitação da criança ao espaço caseiro, redução (ou mesmo eliminação) do contato com seus pares e uma sobrecarga para as famílias, que passaram a assumir o papel de educadores — fazemos aqui um aparte sobre os profissionais da educação. Só assim pudemos perceber a importância, a essencialidade deles em nossa sociedade!

A falta de rotina também se tornou um componente de desgaste emocional para a criança, porque ela precisa de rotina, é algo essencial para o seu desenvolvimento e sua autonomia.

Muita informação, pouca explicação

Se para os adultos o excesso de informação e as incertezas da pandemia estão causando prejuízos, imagine para uma criança, que ainda não tem a capacidade plena para entender o que está acontecendo no planeta. O medo, que nós, já crescidos, tentamos controlar, para ela é algo que tem um peso devastador.

Como não entendemos muito bem o curso dessa pandemia, não conseguimos explicar às crianças de uma forma clara, nunca temos certeza de nada e tudo que passamos para elas é vago e assustador.

O problema, em números

Só para termos uma ideia, vários foram os estudos realizados em torno desse tema, para podermos analisar com mais exatidão o impacto da pandemia na saúde mental de crianças e adolescentes.

Um estudo publicado em 2020 na “Residência Pediátrica”, revista eletrônica da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), revelou que o distanciamento social causou alterações da psicologia infantil, ocasionando estresse, ansiedade e medo, o que resultou em comportamentos adversos, como dependência excessiva dos pais, desatenção, distúrbios do sono, falta de apetite, pesadelos, desconforto e agitação.

Nesse mesmo estudo, observou-se o desafio dos pais em lidar com a educação dos filhos de forma adequada, o que provadamente não foi bem-sucedido, já que se constatou um risco maior de prejuízo à formação educacional das crianças. Sem falar no fato de que o ensino a distância não é recomendado na primeira infância, por questões pedagógicas e de saúde — já que na faixa etária entre 2 e 5 anos a exposição a telas deve ser extremamente reduzida.

Garotos estudando juntos.
Agung Pandit Wiguna / Pexels

Ainda, como falamos mais acima, as questões sociais contribuem mais para o quadro. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2017, mostram que apenas 31% dos alunos do ensino fundamental da rede pública têm acesso à internet de banda larga e a dispositivos eletrônicos para esse acesso. Para as crianças que vivem em situação de pobreza, a soma do isolamento e da falta de recurso aumenta significativamente a piora na sua saúde mental.

Um outro estudo apresentado em junho de 2021 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) mostra que uma em cada quatro crianças e adolescentes apresentou quadros de ansiedade e depressão com necessidade de intervenção psicológica e psiquiátrica.

Essa pesquisa ressaltou que a pandemia não só é capaz de agravar os transtornos mentais como também pode levar ao desenvolvimento deles. Também aqui, salienta-se que os piores efeitos acontecem com as crianças em maior situação de vulnerabilidade.

De olho nas crianças

É preciso que estejamos mais atentos à saúde mental das crianças, que é indiscriminadamente negligenciada. De um lado, a pouca importância que damos às queixas de nossos pequenos; de outro, a falta de acesso a serviços de saúde mental, que é uma realidade da maioria esmagadora da população.

Se a depressão no adulto, muitas vezes, acaba sendo vista como “corpo-mole”, “falta de força de vontade” ou qualquer outro fator em que a culpa é atribuída a quem sofre desse mal, o que dizer no caso dos jovens? Muitos dizem que é birra, malcriação, coisa de criança mimada, e por aí vai. Só que, por mais que os casos sejam silenciosos, em algum momento a criança dá um sinal. E é preciso estarmos presentes, acolhendo, ouvindo e encontrando meios de trabalhar o emocional dela.

A depressão é uma doença. E, por não aparentar um mal físico, ela é ainda mais alarmante, requer mais sensibilidade de nossa parte, para descobrirmos, entendermos e lidarmos com ela, trabalhando junto com nossas crianças para melhorar seu estado emocional.

A importância do Setembro Amarelo

Esse assunto é tão sério que foi criada uma data especial: o Setembro Amarelo, uma iniciativa da ABP em parceria com o Conselho Federal de Medicina, para tratar sobre depressão e outros transtornos mentais e falar sobre a prevenção ao suicídio.

O objetivo é desmistificar a depressão e acabar com os estigmas, incentivando todos a falarem abertamente sobre essa doença, que se tornou o mal do século e virou uma questão de saúde pública.

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Dia 10 de setembro é oficialmente o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, mas o Setembro Amarelo não se restringe só a 30 dias — a campanha ganha força e cada vez mais espaço durante todos os 12 meses do ano.

Precisamos FALAR sobre nossas emoções. Mais do que isso, precisamos OUVIR e COMPARTILHAR o que sentimos. Assim ensinamos nossos filhos que colocar pra fora faz bem, que não somos fracos por demonstrarmos nossos medos e angústias. E também aprendemos a acolher, a entender e a praticar uma escuta mais ativa e sem julgamentos.

Então não se feche para seu filho, aluno, sobrinho, neto… abra seus ouvidos, mas ouça com seu coração, fale com eles usando seu abraço e seu acolhimento. Mostre para sua criança que você está — e sempre estará — disponível para ela. E mais que isso: você estará ao lado dela, enfrentando junto com ela todos os monstros e mostrando que eles não são invencíveis e que ela é mais forte do que imagina!

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