Tive minhas diferenças no relacionamento com meu pai. Diversas, e por muitas vezes achava que a única solução era ou eu ou ele sumirmos do mapa.
Ele sempre foi muito rígido, bravo mesmo. Posso dizer, que durante muitos anos, tive mais medo dele que respeito. Mas a gente vai se adaptando, convivendo e o tempo traz alguns ensinamentos. Relações complexas, tudo é embolado, misturado. Amor e ódio, medo e respeito, enfim. Bem, mas ao longo da vida, muitas fichas vão caindo e vamos compreendendo as coisas de formas diferentes. Vamos fazendo nossas releituras das situações. Fui percebendo diversas qualidades dele que não conseguia enxergar enquanto éramos Tom e Jerry.
A primeira vez que consegui ter clareza sobre o quanto meu pai foi, é e sempre será importante na minha vida, foi entre os 19 e 21 anos. Não me lembro bem ao certo! Também não me lembro o que exatamente trouxe essa memória. Cantava muito e tocava gaita! Sim, e eu sempre adorei ficar atrás dele, escutando os tangos, músicas italianas e tantas outras que ele tocava de ouvido.
Ficava encantada olhando pra ele e posso arriscar que minha sensibilidade musical veio dele com certeza. E, num ímpeto de “fazer as pazes” com o meu pai, dei uma gaita de presente (que agora está comigo!). Fazia muito tempo que não tocava! E ao escutá-lo tocando chorei muito! Nesse momento, comecei a recolher alguns caquinhos de um amor que não via antes.
Outra coisa que reconheci depois de muitos anos foi que herdei dele o amor por construir, reformar coisas e pelos trabalhos de madeira. Adoro bricolagem, pintar móveis, reformá-los, ferramentas, tijolos, vidros cheios de pregos e parafusos e coisas assim que nos servem para criar. Tenho na memória uma imagem dele, lá pelos meus 4 ou 5 anos, fazendo um xadrez, como nós chamávamos (não sei se todo mundo conhece). É uma divisória, uma espécie de treliça feita em madeira para dividir os ambientes. Ele fazia e cantava!
Senhor Francisco escrevia muito bem! Adorava escrever por horas, estudar inglês sozinho e escrevia longos textos. Tinha um dom natural para isso. Sempre havia sido o orador da turma. E hoje compreendo que meu prazer em escrever também é um legado dele. Até hoje uso palavras que ele usava e expressões que ele falava. Aprendi muito com ele. Outra relíquia que está comigo é o livro “Os Lusíadas” de Luís de Camões.
Já faz 16 anos que ele faleceu e as memórias estão aqui, juntinho do coração. Quando ele se foi, fiz questão de comprar uma gaita para acompanhá-lo em sua nova dimensão de vida. Quem sabe lá não curtam um Carlos Gardel ou Santa Lucia? Quem sabe não esteja construindo treliças ao som de “El dia que me quieras”. Mas, claro que mandei uma gaita cover. A verdadeira ficou comigo.
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Hoje, depois de algumas andanças pelos caminhos do autoconhecimento, de PNL a Constelações Sistêmicas, compreendo que “fazer as pazes” com meu pai é honrar 50% do meu DNA. Não é saudosismo, não é reviver o passado apenas, mas é me valorizar através dele e de seu legado. É saber que para seguir em frente é preciso acolher nosso passado e deixar que as experiências vividas nos tragam sabedoria, que nos deem a força e o significados para vivermos o agora.
Papai, eu te amo!