Escrevi essa crônica em março de 2000, vinte e tantos anos depois, resolvi republicá-la sem alterações para nos ajudar a refletir na constituição dos nossos valores. Quase nada fizemos nessas últimas décadas para que a simplicidade fosse voluntária na classe média, de tal maneira que hoje, uma distribuição mais igualitária das riquezas fosse possível. As mentalidades de consumo permitiram a instauração de uma plutocracia, onde os grandes conglomerados econômicos definem o destino dos povos, países e culturas. Enfim, espero que a leitura ajude a pensar e a compor ações de ativismo delicado por uma estética da vida viva.
Quando nossa família optou por viver de maneira mais simples, muita gente se espantou. Alguns confundiram com uma volta ao movimento hippie, outros viram nisso uma manifestação mística. Mas foi bem mais do que isto tudo. A simplicidade voluntária, termo cunhado na década de 30, por Richard Gregg, um estudioso dos ensinamentos de Gandhi, é consequência de uma reflexão filosófica e consiste em vivermos com o que precisamos realmente e não em função de status ou consumo. Viver com simplicidade não é abandonar a sociedade para morar isolado no meio do mato, mas fazer escolhas. Escolhas baseadas numa visão ampliada, nas interrelações, respeitando as outras pessoas, o meio ambiente e o planeta como um ser vivente. Consumir somente o indispensável, sem desperdício.
A ideia não é nova, temos exemplos históricos, filosóficos e religiosos. Sócrates, Platão e Aristóteles já falavam do equilíbrio entre riqueza e pobreza. Jesus mostrou-nos, com seu exemplo, o caminho da vida simples. São Francisco entendeu o recado e priorizou a simplicidade. Do outro lado do mundo, Lao-Tsé resumiu a filosofia da simplicidade com a máxima: “aquele que sabe possuir o suficiente é rico”. Os budistas acreditam que a virtude se situa entre a pobreza desnecessária e o materialismo irresponsável. Não é o caso de se fazer um voto de pobreza, mas de colocar na perspectiva adequada as nossas necessidades. Por exemplo, por que temos de trocar de carro todos os anos? Nosso carro funciona? Nos transporta com segurança e conforto? Então para que manter o status do carro zero?
Você também pode gostar:
Uma das primeiras coisas que descobri quando começamos a rever nossos hábitos de consumo é que não há necessidade de ter um guarda-roupa muito grande. Pouca roupa é muito mais fácil de manter. Sempre que compro ou ganho alguma peça passo adiante outra. Assim faz muitos anos que tenho o mesmo número de cabides e gavetas. As compras de supermercado também ficam mais rápidas e econômicas. Até me mudar para uma cidade maior, não fazíamos supermercado. Tudo o que consumíamos em casa era comprado em hortas e entrepostos. Os produtos de higiene e limpeza eram tão poucos e simples que a venda da roça era o suficiente para o abastecimento. Muitas coisas extras entraram em nossa vida nos últimos tempos. Computadores, celulares, internet, coisas que nos deixaram mais pobres de uma maneira geral.
Antes de ficar aqui no computador dedicava-me muito mais à arte. Antes de ter internet, tocávamos mais nossos instrumentos. Agora a horta precisa competir com o pouco tempo que sobra no domingo entre os filmes e as séries. Resistimos a adquirir TV por assinatura, mas a internet veio e tomou horas preciosas. Quando vai sobrar mais tempo para as leituras, me pergunto constantemente.
Viver é uma arte e com certeza viver de modo mais simples neste mundo do consumo e da penalização da pobreza é um desafio. Mas é preciso lembrar que se todos tivéssemos o padrão de vida estadunidense, como métrica de estilo de vida, o mundo acabaria em poucos dias. Não teríamos recursos naturais para viver nem um mês. Quem sabe se cada um de nós conseguisse viver com o essencial outras pessoas não teriam de viver com tão pouco? A coisa mais importante que nos aconteceu nesta tentativa de simplicidade foi perceber que cada dia é mais fácil dar e menos necessário ter.