Muitas vezes, usamos o termo “antissocial” como senso comum, para definir alguém que não gosta muito de sair ou interagir com outras pessoas. Mas ele define uma séria questão de saúde mental, que vai além da mera falta de vontade de confraternizar. E tem nome: transtorno de personalidade antissocial (TPAS).
Também conhecido popularmente como sociopatia, o transtorno de personalidade antissocial se caracteriza por um comportamento de indiferença, desprezo às regras básicas de convívio e socialização, violação de direitos alheios, podendo envolver o cometimento sistemático de atos ilegais e antiéticos, com raríssimos episódios de remorso ou culpa.
[a]Entre esses comportamentos, podemos incluir roubar, mentir, enganar, iludir outras pessoas, a fim de obter vantagens para si, ou por puro prazer. Como faz parte da categoria de distúrbios emocionais e impulsivos, pode envolver, inclusive, agressões físicas e desrespeito declarado para com os outros. É necessária a avaliação de um profissional para identificar o transtorno.
Direto ao ponto
Características e fatores de risco
O TPAS é mais comum entre homens do que em mulheres (na proporção de 6 para 1). Geralmente se evidencia na fase adulta, quando é fechado o diagnóstico. Entretanto, um artigo divulgado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos em 2015 afirma que os primeiros sintomas já se manifestam a partir dos 11 anos (sendo mais perceptíveis a partir dos 15) e se mantêm ao longo da vida, podendo se mitigar à medida que o indivíduo envelhece e vai aprendendo a gerenciar seus comportamentos.
O transtorno apresenta um forte componente hereditário, porém também é influenciado por fatores ambientais. Embora seja um distúrbio predominante entre indivíduos do sexo masculino, é muito mais provável que uma criança venha a desenvolver o TPAS caso sua mãe tenha o problema, e não o seu pai.
Também há a possibilidade de “herdar” o TPAS dos pais de forma não genética – esse é um dos fatores ambientais de risco. Ele existe tanto para filhos biológicos como adotivos. Há outros fatores ambientais que contribuem para o desenvolvimento do transtorno, por exemplo, casos de abuso durante a infância.
Quais são os sintomas?
Os sintomas do transtorno de personalidade antissocial são variados e envolvem diversas esferas comportamentais. Se a pessoa apresentar três ou mais dos comportamentos elencados nos tópicos abaixo, há grandes chances de ela sofrer de TPAS.
Importante lembrar que somente o médico especialista pode fechar um diagnóstico. De toda forma, fique atento aos principais sinais, para aprender a lidar com o problema, caso tenha alguém próximo passando por essa situação:
- Agressividade: prática violenta contra pessoas (podendo incluir abuso físico/sexual contra parceiros) e animais; tendência a “explodir” em situações diversas, envolvendo-se em brigas; irritabilidade exacerbada e com facilidade para ser ativada.
- Inconsequência e irresponsabilidade: inaptidão para planejar; tendência a colocar a própria vida e a dos outros em risco (como direção perigosa); afobação na tomada de atitudes, sem pensar nas consequências; falta de responsabilidade financeira (podendo chegar à inadimplência) e profissional; comportamento sexual negligente.
- Violação grave de regras: constantes problemas com a lei, como a prática roubos, fraudes, assédio, furtos e destruição de propriedade, por exemplo; consumo abusivo de drogas ilícitas; exercer atividades ilegais. Inclusive, pode envolver prisões, detenções e outras punições jurídicas.
- Comportamento antiético ou imoral: mentiras constantes visando o próprio interesse; incapacidade de distinguir o certo do errado; manipulação; desonestidade; prepotência ou complexo de superioridade.
- Vitimismo e falta de empatia na maioria dos casos: tendência a culpar os outros por seus atos (por exemplo: “Ele[a] mereceu”, “O mundo é dos espertos” etc.); desprezo pelos sentimentos, vontades e direitos alheios; incapacidade de sentir culpa ou remorso.
Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Muitos dos sintomas acima relacionados estão presentes em vários outros distúrbios de personalidade ou outros problemas psíquicos. É até muito comum que nos confundamos e chamemos as pessoas com TPAS de “psicopatas”. Mas sociopatia não é o mesmo que psicopatia.
Tanto os sociopatas como os psicopatas apresentam comportamentos antissociais ou antiéticos e são desprovidos de empatia, não se mostrando arrependidos de suas ações. Entretanto, o fator genético é tido como o único originador da psicopatia, ao passo que, na sociopatia, entram também fatores ambientais e sociais. Vamos ver as diferenças!
Psicopatas
- A etiologia da doença aponta para a genética e questões inatas como fatores fundamentais. Ainda que haja apontamentos sobre ligações com traumas de infância, a hereditariedade é a influência essencial.
- São pessoas que conseguem se relacionar bem com os outros, podendo ser considerados muito educados, competentes, inteligentes. Porém, são manipuladores e incapazes de criar laços afetivos.
- São calculistas, capazes de arquitetar tudo de forma que não sejam desmascarados.
- Não sentem culpa nem empatia em absolutamente nenhuma situação, sendo indiferentes ao sofrimento alheio ou à ideia de que podem prejudicar alguém.
- São premeditados, calculam todos os riscos e escondem tudo que possa se relacionar com eles, sendo capazes de agir de forma extremamente dissimulada, especialmente na prática de crimes (um dos mais associados a eles são os assassinatos em série, de forma meticulosa).
- Estão em menor quantidade entre nós – os psicopatas correspondem a cerca de 1% da população mundial (segundo o psicólogo canadense Robert Hare), e, dentro dessa pequena porcentagem, pouquíssimos são criminosos violentos.
Sociopatas
- A genética é fator importante, mas há também os fatores ambientais, como educação, criação, possibilidade da existência de abusos, relação com a sociedade, condições sociais etc.
- São capazes de criar laços em alguns casos (não com desconhecidos), mesmo com certas disfuncionalidades, já que não têm tanta facilidade de se relacionarem com os outros, lidar cm regras e “roteiros”. Também são pessoas agressivas e violentas.
- Como falamos mais acima, os sociopatas não conseguem planejar, agem no impulso e com certa irresponsabilidade, sem medirem as consequências dos seus atos.
- Apesar de não sentirem culpa ou remorso, podem vir a ter uma ligação com pessoas próximas e familiares, o que pode gerar neles empatia e preocupação, fazendo com que se importem com essas pessoas. Já com estranhos, a história é diferente.
- Como são pessoas explosivas, tendem a se envolver em crimes associados a sua natureza destemperada: roubos, brigas e agressões, prejuízo a bens públicos, roubos etc.
- Estima-se que menos de 4% da população mundial sofra de TPAS, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (sigla em inglês: DSM-V). Apesar de ser um número baixo, indicando que não é um transtorno comum, os sociopatas estão em maior número que os psicopatas.
Diagnóstico e tratamento
Diagnosticar o TPAS não é tão fácil quanto se imagina, uma vez que apresenta sintomas comuns a outras doenças, como esquizofrenia, tumores, transtorno por abuso de drogas, transtorno de conduta, transtorno de personalidade borderline e transtorno de personalidade narcisista. Portanto, antes de fechar um diagnóstico, é preciso fazer uma diferenciação com essas e outras patologias.
Só quem pode identificar a doença é um psiquiatra ou psicólogo, após a exclusão de outras doenças e/ou distúrbios e fazendo uma avaliação minuciosa e bastante rigorosa dos sinais e sintomas, bem como da história de vida do paciente, em especial antes dos 15 anos.
Infelizmente é um distúrbio que não tem cura. Mas tem tratamento, que envolve terapias diversas – psicoterapia, TCC (terapia cognitivo-comportamental), terapia familiar, entre outras – e medicamentos, se necessário (não há remédios específicos para esse tipo de transtorno, então os fármacos de uso são os antidepressivos e, em menor escala, os antipsicóticos).
Atividades nas quais o paciente consiga entrar em contato com as necessidades alheias e assimilar a importância do cumprimento de regras também são alternativas para que ele trabalhe questões de empatia, responsabilidade e controle. Mesmo não tendo cura, essas ações ajudam a conviver com o transtorno (além do mais, como já dissemos, com o avanço da idade, há uma tendência a ser menos prevalente).
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Conviver com uma pessoa que sofre de TPAS pode ser uma missão inglória, visto que suas atitudes prejudicam pontualmente os outros (geralmente, mais até do que a si mesma). Então é essencial buscar o tratamento adequado (tanto para ela como para aqueles que convivem com ela). Por mais que seja uma tarefa árdua, que, muitas vezes, nos levam pelo caminho de pensar que se trata de uma pessoa essencialmente ruim, o papel da família é primordial para o sucesso do tratamento e para que haja mais conexão, de modo a estabelecer uma convivência digna e pacífica.