“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada. O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor.” Trecho de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa
Para Guimarães Rosa, o que a vida quer de cada pessoa é coragem. Para quê seria essa coragem? Pensando em todas as imposições da sociedade sobre o comportamento de cada ser, sobre a necessidade de adotar uma postura, não outra, as pessoas podem precisar de coragem para ser quem elas são.
Todos os estereótipos sobre os indivíduos de uma sociedade são as amarras que os prendem. Os estereótipos de gênero, que definem como mulheres e homens devem se comportar, pensar e se vestir, os estereótipos de raça, que limitam as possibilidade de emprego e a qualidade de vida de pessoas negras, os estereótipos para o amor, que excluem os que amam de forma diferente, e os estereótipos de beleza, responsáveis por prejudicar a autoestima e a segurança de uma pessoa.
Como as amarras se prendem?
Como essas amarras se prendem aos indivíduos? Por que uma pessoa não recusa o que não faz parte da essência dela e vive de acordo com suas próprias regras? As amarras não se prendem sozinhas aos indivíduos de uma sociedade.
Todas as pessoas nascem com o destino traçado pela sociedade. Se elas são de uma família abastada, devem permanecer ganhando dinheiro, devem optar por profissões que remuneram bem e devem seguir os padrões que a família impõe. Elas podem quase tudo o que estiver ao alcance delas. Os horizontes são amplos, mas ainda assim limitados.
Se elas são de uma família menos abastada, por mais que trabalhem, não devem chegar ao mesmo lugar que os ricos. Devem lutar todos os dias para sobreviver, mas sem sonhar muito. Devem reconhecer os seus lugares na sociedade, sem ultrapassar os limites impostos pelo dinheiro e pela cor. Os horizontes são estreitos e não estão muito longe.
O que promove a definição de amarras é, principalmente, a socialização de um indivíduo. É o círculo social, a família, os amigos, as pessoas com quem ele interage. É tudo isso que indica como esse ser deve agir, como deve viver e como deve pensar. Se ele ousar ser diferente, poderá ser humilhado, excluído e ridicularizado. Nenhuma pessoa quer viver sozinha, muito menos ser julgada de forma negativa.
Quando as amarras não servem
O que fazer, então, quando as amarras não servem? Porque muitas pessoas podem se identificar com a vida atribuída a elas. Uma mulher pode querer ser mãe, deixar de trabalhar e atender aos padrões de beleza, por exemplo. Mas e as pessoas que não se identificam com os papéis que devem cumprir e com as amarras com as quais elas devem se prender?
Quando uma pessoa começa a se sentir desconfortável com a própria vida, há o primeiro sinal de que as amarras não servem. A partir disso, pode ser gerado um conflito interno ou externo. O conflito será interno se a pessoa rejeitar o desconforto e tentar se prender às amarras que não servem. Ela se sentirá infeliz, iludida e triste por não viver a vida que gostaria de viver.
Por outro lado, o conflito será externo caso essa pessoa opte por dizer ao mundo que não quer viver com as amarras que lhe foram impostas. A reação das pessoas dificilmente será positiva, porque essa não é a atitude que a sociedade espera de alguém. Até as pessoas que mais amam esse indivíduo poderão dizer que ele precisa aceitar as amarras e viver de acordo com elas. E caberá a ele continuar em conflito ou aceitar o que é novamente imposto.
Em um terceiro caso, o conflito pode ser externo e interno. Uma pessoa declara que quer viver de acordo com a própria essência, a sociedade lhe nega esse direito e ela opta por fingir que nada aconteceu. Tenta viver amarrada e, por isso, acaba limitando a própria felicidade e as suas escolhas.
Pensando em um sentido menos amplo, as amarras podem ser até mesmo um relacionamento que não está indo bem há um tempo. Uma pessoa sabe que essa amarra não lhe serve, que ela prefere viver livre, mas não encontra apoio para encerrar o que lhe faz mal.
Ou ainda uma pessoa se sente muito apegada a uma ideia ou a um comportamento e, mesmo sabendo que isso é prejudicial, teme a vida desconhecida que passará a viver quando se libertar dessa amarra. Nesse caso, é ainda mais difícil se libertar das amarras. A pessoa sabe que elas não servem, mas prefere a segurança que elas trazem.
Para se libertar das amarras
Uma vez reconhecido que as amarras não servem, uma pessoa corajosa e determinada, ou até mesmo uma pessoa curiosa, pode querer saber como se libertar das amarras. Ela pode querer experimentar essa sensação de viver por conta própria, de seguir os próprios desejos e de abraçar uma parte de si, que é o mais importante.
Nesse caso, para se libertar das amarras, essa pessoa precisará de muita força, de muita inspiração e, se tudo der certo, de muito apoio. Entenda agora como cada um desses fatores se manifesta na vida de uma pessoa que quer se libertar dos padrões:
1) Força
A palavra força não está só relacionada à força física. É possível compreender que para arrebentar as amarras precisamos de força. Porém as amarras não são literais, assim como a força que você irá empregar também não o é.
A força de que você precisa para se libertar das amarras é a força emocional. Você deve tomar consciência de quem você é, do que você quer e do que almeja. Pense sobre esses três fatores e analise como você pode obtê-los.
A simples visualização do encontro com a sua essência já é capaz de trazer uma sensação de bem-estar, mas pode também trazer medo e receio. E se não der certo? E se as pessoas julgarem negativamente?
É aí que entra a força. A força psicológica para não dar ouvidos às pessoas que querem te amarrar, a força emocional para ir contra as pessoas que você ama e não te compreendem, a força para recuperar a sua confiança em quem você é, livre de todos os padrões…
2) Inspiração
Você pode acreditar que está passando por esse processo de libertação sozinha(o), sem nenhum exemplo em quem se inspirar. Mas será que é assim mesmo? Será que nenhuma outra pessoa decidiu que queria se libertar das próprias amarras?
Observe ao seu redor ou recorra à internet. Quantas pessoas você vê quebrando padrões e tabus? Quantas pessoas são confiantes, verdadeiras e honestas com a própria essência? Inspire-se nas pessoas que já chegaram aonde você está indo e aprenda com elas.
Inspiração é o que você precisa para aumentar a sua coragem. É como ser a segunda a descer por um escorregador, sabendo que a primeira pessoa chegou bem lá embaixo. É como olhar para um trajeto muito longo e receber a notícia de que outras pessoas estão te esperando no final do caminho.
Busque inspirações ao seu redor, na internet, em filmes, em séries, onde achar melhor. O importante é que você encontre pessoas que se parecem com você, compartilhe a sua história e ainda obtenha mais força para alcançar seus objetivos mais profundos.
3) Apoio
Se você encontrou uma boa inspiração, é provável que essa pessoa está te ajudando no processo de se libertar das amarras. Mas nem sempre isso dá certo. Talvez a sua inspiração seja um personagem ou uma pessoa famosa ou inacessível. Isso não é motivo para pânico.
O apoio de que você precisa pode vir de amigos, familiares, colegas de trabalho e pessoas que te compreendem e te ouvem com atenção. Essa rede será responsável por te jogar para cima quando você estiver caindo e por te mostrar a luz nos momentos mais difíceis.
Se você conhecer outra pessoa que também quer se libertar das amarras, vocês podem até se juntar em prol desse objetivo. Por mais difícil que seja, vocês sempre terão alguém com quem contar e uma pessoa com quem compartilhar os seus medos, as suas inseguranças e as suas dificuldades.
Para fluir a verdadeira essência
Depois que você se libertar das amarras, pode enfrentar rejeição e exclusão de alguns, mas com certeza será uma inspiração para a maioria das pessoas, porque a confiança que exalamos quando estamos felizes com as nossas vidas é uma energia muito positiva.
Agora só falta deixar a sua essência fluir. Não é tão difícil quanto parece. Você vai precisar de coragem e de ousadia, mas tenha em mente que o pior já passou. Se você conseguiu se libertar de um relacionamento ruim, por exemplo, aproveite a sua vida sem outra pessoa. Invista tempo em si mesmo, descubra do que você gosta e conheça quem você é.
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Se as suas amarras eram os padrões impostos pela sociedade, agora você pode viver a sua verdade, de acordo com aquilo que você acredita, com a tranquilidade de ser quem você é e de assumir a responsabilidade sobre si mesmo. Você é uma pessoa corajosa e confiante, que sabe o que quer e o que não quer.
Mantenha ao seu lado somente as pessoas que não tentam te amarrar, que te admiram por quem você é, que reconhecem a sua luta, que desejam o seu melhor e que lutaram ao seu lado pela sua liberdade. Nada será mais importante do que se cercar de quem te ama e te respeita. Se as pessoas tentarem te amarrar, transforme as amarras em laços e desfaça todos eles!