Com os avanços científicos e tecnológicos, cada vez mais a morte foi relegada a um patamar distante da nossa vida, pois em uma sociedade cada vez mais centralizada no trabalho e na produção, o mistério e as fraquezas humanas não tem mais espaço para serem discutidas e vivenciadas. A medicina, saindo em busca de respostas, se viu encurralada ao tentar lidar com o assunto.
Durante o século XIX, consolidaram-se diversas modificações em vários campos, especialmente no campo das Artes, resultado dos impactos causados pela Revolução Francesa (1789 – 1799) e da Revolução Industrial (1760 – 1840). Houve um verdadeiro rompimento com o modo de vida anterior, e o surgimento de novos desafios, visto que a grande maioria das pessoas agora se concentrava nas cidades e o novo modelo de produção acabava com os artesãos, surgindo a classe operária.
Mesmo assim, no século XIX, as pessoas conviviam diariamente com altos índices de mortalidade, sendo comuns os falecimentos (especialmente de crianças) devido às precárias condições de higiene nos locais altamente povoados.
Nas artes, os movimentos Romântico e o Realista retrataram o tema da morte (especialmente na pintura e literatura). No primeiro movimento, a morte assume uma perspectiva idealizada, com forte influência das emoções; no segundo, a morte é tratada como uma poderosa crítica em relação às péssimas condições sociais vividas pela população.
A era vitoriana no Reino Unido foi o período do reinado da rainha Vitória, em meados do século XIX, que durou de junho de 1837 a janeiro de 1901. A sociedade era regida por severos códigos de conduta, e o luto também foi regulamentado. Desrespeitar qualquer uma dessas regras era causa de escândalo, e considerado um ato de imoralidade.
A grande responsável pela cultura do luto extremado na chamada “era vitoriana” foi a própria rainha Vitória que, encarada como o ideal da mulher no século XIX, após perder seu marido, o príncipe Albert, usou luto durante o resto de sua vida.
O luto se torna complexo, normatizando desde as “cartas de condolências” até a maneira de conversar com uma viúva. As regras de comportamento e vestimenta eram mais rígidas para as mulheres. Nas casas era comum, na hora da morte de alguém, cobrirem espelhos, abaixarem as cortinas e pararem os relógios; a família não fazia refeições com o cadáver presente. Os funerais eram caros e os túmulos eram artisticamente decorados, e esta ostentação da posição social levou ao surgimento de uma verdadeira indústria especializada do luto. As classes menos abastadas poupavam dinheiro para o funeral, muitas vezes sacrificando o próprio bem-estar dos vivos.
As fotografias “post mortem”
Na era vitoriana as fotografias “post mortem”- fotos de pessoas mortas – ficaram famosas após a realeza inglesa registrar os parentes falecidos em poses que procuravam se assemelhar à postura dos vivos. Os fotógrafos utilizavam recursos de iluminação, produção de cenário, vestimenta e maquiagem para montar cenas “naturais”. A grande maioria destas fotos mostram crianças, já que era alto o índice de mortalidade infantil.
Século XX
Com a Primeira Guerra Mundial, as tradições referentes à morte foram abandonadas nos países que atingiram um maior desenvolvimento com a era industrial. Nas sociedades mais ligadas às antigas tradições rurais, muitos costumes permaneceram inalterados.
A sociedade mais industrializada, urbana e racional produziu meios para se proteger de qualquer referência ou culto à morte, procurando prosseguir em suas tarefas sem emoções, nem obstáculos – enfim, evitando tudo o que pudesse “prejudicar” a marcha da produção, do lucro e do sucesso. A “felicidade” deve ser preservada a qualquer custo.
Porém, para alguns o horror ao mistério do morrer é tão forte que surge a técnica do embalsamamento – uma forma de recusar a morte – surgido em 1900 na Califórnia, Estados Unidos.
O tratamento da morte passa a ser ocultado – a sociedade evita tratar este assunto, banindo-o. Os falecimentos normalmente não ocorrem mais nos lares; são transferidos para hospitais, longe da família e dos amigos. O luto, tão cultuado no século anterior, passa a ser evitado, e gradualmente desaparece.
A técnica e a ciência médica procuram prolongar a vida o máximo possível. A assistência aos doentes é feita nos hospitais, e a família não precisa mais parar com suas atividades cotidianas, podendo levar uma vida normal.
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Até a metade do século XX a pessoa era avisada da iminência de sua própria morte, seguida das despedidas, do testamento ou declaração de suas últimas vontades, do recebimento dos últimos ritos religiosos. Depois ocorre uma inversão destes costumes; morre-se isolado, escondido, sem que ninguém seja avisado do processo, nem mesmo o próprio moribundo. Ele é visto como um objeto privado de vontade, e as regras são ditadas pela equipe hospitalar, com a cumplicidade da família e da sociedade.
Leia todos os artigos da série Terapia de Regressão.
Referências:
Vestindo a Morte
Post Mortem Fotos
Unicamp