Rever Zezé Motta em “Mulher 80”, através de um vídeo no YouTube, e 45 anos depois de sua exibição na TV, evocou lembranças doces que me remeteram a 1977. Não me lembro em que circunstâncias, fui com amigos (nem lembro quais) a uma festa em clima íntimo no Leme, num apartamento comum da zona sul.
Luzes indiretas, música de fundo tocando Tom e Vinicius… 25 a 30 pessoas, no máximo, algumas sentadas no sofá e poltronas na semi-obscuridade da sala, em que pouco se via além de suas silhuetas. Outras – eu entre elas – sentadas no chão em círculos, em clima bem intimista, de uma suavidade pouco comum numa época de whisky e “rock and roll”. Era mais um encontro de amigos do que uma festa, de amigos comportados e “caretas”: drinks suaves ou cerveja, nenhuma droga rolando…
Do meu lado esquerdo, uma moça puxou papo, eu me virei para responder e dei com Zezé. Seu rosto não se destacava no ambiente com poucas luzes, mas seus olhos vivos sim! Reconheci-a pelo olhar, pois que ela sorri com os olhos. Ela estava no auge de sua carreira, como estrela maior de “Xica da Silva”, que havia explodido nas telas apenas um ano antes.
Descobrir-se sentado no chão ao lado de uma estrela como aquela deveria causar ‘frisson’ em qualquer um, mas não em alguém que estivesse ali dividindo um ambiente tão intimista como aquele.
Conversamos longamente, como se nos conhecêssemos de muito. Na verdade, parecia um papo entre velhos amigos, porque por horas conversamos apenas os dois, como se estivéssemos realmente a sós. Quando já estávamos bem confortáveis, perguntei a ela sobre o filme e sobre como se sentira na cena em que apareceu totalmente nua.
Ela disse não ter sido nada fácil, pois não eram apenas os atores ali: era o diretor, o assistente de produção, o assistente de arte, o designer, operadores de câmera, figurantes… Enfim, uma multidão à volta, olhando-a por todos os ângulos. E ela completou: “E acredite: eu sou terrivelmente tímida!”
A observação final me revelou uma pessoa simples e delicada que poucos conheciam, o que me encantou justamente por não me fazer sentir em nenhum momento que conversava com uma estrela no auge de sua fama! A conversa enveredou para as artes cênicas, para a música, enquanto ouvíamos Alaíde Costa cantando “Morrer de Amor”.
Ela pareceu confirmar sua timidez durante as horas em que estivemos conversando só os dois, sem interagir com outros, naquela intimidade estimulada pela penumbra da sala, como se nos apoiássemos um no outro. Perguntei sobre Alaíde, de quem não tinha notícias há algum tempo, e ela se voltou para trás, apontando o dedo para o enorme sofá atrás de nós, e falou: “Olha ela aí!”.
Outra surpresa sem deslumbres nem exclamações: a grande cantora e precursora da Bossa Nova, da qual ouvíamos a voz executando suas belas canções, estava a apenas alguns passos de nós. Mas ali não havia estrelas nem fãs: éramos apenas um grupo de pessoas curtindo o som e se curtindo mutualmente.
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Dá então para entender meu sentimento ao recordar aquelas poucas horas em que ela não precisou se comportar como celebridade, e nem eu como um de seus tietes, mas apenas dois tímidos que se sentiram bem mais confortáveis por se encontrarem e se apoiar mutuamente. O tipo de festa em que qualquer outro INFJ – avesso a barulho e holofotes – adoraria estar.