No tocante às interações humanas, a primeira coisa para se refletir é que pessoas boas e bem intencionadas têm encontros e desencontros como todo mundo, e o término de um encontro nunca será razão para lhes atribuirmos más intenções ou fraqueza moral apenas porque não se sentiram capazes de mantê-lo dentro dos padrões esperados. Bem ao contrário: quanto mais conscientes as pessoas, mais compreensão elas adquirem das incompatibilidades entre expectativas e realidade para tomar as decisões que considerem necessárias.
Num exemplo prático, ao perceber que uma relação lhes traz mais restrições do que liberdade, podem decidir interrompê-la para não se machucarem ainda mais com algo que não as deixa confortáveis, assim como poupar a outra pessoa de mais sofrimentos a que não querem dar causa. Elas não irão subestimar o fato de que a continuidade de uma relação fadada ao fracasso apenas piora o quadro, pela dificuldade tardia de aceitar o desfecho em que o tempo, nesse caso, atua como agravante.
De novo: o que dá causa ao rompimento da relação entre duas pessoas independe das intenções delas (no sentido moral da palavra), e essas pessoas poderão sair feridas – e certamente o serão – mesmo não existindo a menor intenção, por nenhuma das partes, de magoar o outro. A princípio pode parecer complexo: um relacionamento é iniciado, e em curto período de tempo é interrompido sem que ninguém tenha escolhido esse desfecho… Mas não é tão difícil nem tão contraditório como aparenta: as pessoas nunca sabem o que irão descobrir, tanto nos relacionamentos inéditos quanto nos antigos que se restabelecem após um longo período separados. Daí o porquê de muitos casamentos que deixaram saudades, apesar do divórcio, poderem revelar pessoas incompatíveis, numa eventual reaproximação, como nunca o foram durante o tempo em que estiveram juntos da primeira vez.
“Como assim!? Não somos as mesmas pessoas?” – irão se perguntar elas próprias. E a resposta é não! Elas não eram mais as mesmas pessoas ao se reencontrarem. E isso não quer dizer que se desvencilharam de seus traços de caráter, de seus princípios morais ou de qualquer coisa que diga respeito à sua essência e estrutura de personalidade, se a quisermos chamar dessa forma. Tudo não vai além de mudanças naturais – e mesmo esperadas – que vão acontecendo ao longo da existência e que alteram substancialmente a nossa visão de mundo, não raramente nos fazendo pensar de uma forma diametralmente oposta à que pensávamos antes.
Aprenda mais sobre esse assunto com o vídeo a seguir:
Não é difícil que olhemos para um passado distante com certo desprezo pela forma como então enxergávamos o mundo. Isso porque agora existe um referencial de comparação entre aquele período e o nosso momento atual, por antes ser mais incipiente e desprovido de elementos que nos permitissem atuar não apenas como protagonistas, mas também como observadores de nossa própria forma de pensar.
Quanto maior for o tempo transcorrido entre o antes e o depois, mais discrepância existirá entre os dois momentos, pois que crescemos em conhecimento, e até na percepção dos preconceitos que cultivávamos à época, a ponto mesmo de nos envergonharmos da nossa forma de pensar, falar e agir naquele período. Isso resulta, pura e simplesmente, de uma combinação de fatores pessoais, sociais e culturais envolvendo experiências de vida, informação, amadurecimento e identificação com contextos e pessoas que nos favorecem evoluir em todos esses aspectos.
Vivências significativas, acontecimentos marcantes e experiências pessoais ao longo do tempo podem desencadear mudanças na forma como vemos o mundo. Isso pode incluir convívio com pessoas de diferentes origens, desafios pessoais enfrentados durante a convivência com elas, ou momentos que nos fazem questionar nossas antigas crenças, olhando-as com olhar mais crítico para separar melhor tudo que nos incutiram por legado do que realmente sentimos e passamos a pensar em relação a elas.
À medida que aprendemos mais e ganhamos novas perspectivas através da educação formal, do que foi extraído do cotidiano e da exposição a diferentes ideias e culturas, nossa compreensão do mundo naturalmente irá se expandir, levando a uma revisão de nossas crenças anteriores e a uma visão mais crítica das pessoas de quem estivemos distantes durante esse tempo, como também das que se aproximam de nós depois. Isso porque, com o passar do tempo e o alcance de novos patamares de consciência, fica mais fácil identificar nelas parte daquilo de que estivemos tentando nos desvencilhar em nosso processo contínuo de evolução, principalmente naqueles aspectos que elas consolidaram como parte inalienável de suas vidas, e se mostram incompatíveis com a visão de mundo que construímos no mesmo período.
O amadurecimento que enfrentamos ao longo desse tempo, o processo de reflexão desenvolvido com as novas práticas e o autoconhecimento decorrente dele podem interferir decididamente na mudança de nossa visão de mundo e, à medida que enfrentamos novos desafios, aprendemos mais sobre nós mesmos, cobrando que nossos valores se ajustem a essa nova realidade. O amadurecimento tem como consequência natural o envolvimento com diferentes contextos e pessoas, aumentando-nos a sensibilidade para enxergar perspectivas diferentes das nossas, obter parâmetros para saber o que podemos tolerar e o que não, a entender que elas são do jeito que são, e não da forma que gostaríamos que elas fossem. O lado negativo está nas perdas que nossa consciência mais exigente nos irá impor, no sentido de nos proteger; mas o positivo é que as dúvidas sobre o que queremos e o que não queremos, entre o que acrescenta e o que aprisiona, são dissipadas rapidamente pela clara distinção entre o bem-estar instantâneo e o outro real e permanente que devemos manter até o fim de nossos dias.
A interação com diferentes grupos sociais também desempenha um papel na formação de nossas opiniões e dos sentimentos que passamos a ter a partir de sua diversidade, de modo a moldar gradualmente nossas visões. Pense então na complexidade dessas mudanças acontecendo em pessoas que não se veem há muito tempo, ou no encontro de outras duas que precisarão descobri-las em momentos de encontro direto, o que nos faz entender porque a chance de dar tudo certo nos parece mais uma loteria do que aquele evento “escrito nas estrelas” que alguns se empenham em acreditar.
No caso dos encontros de primeira vez, é quase unânime que o sucesso deles fique bem mais próximo de uma aposta na loteria. Mas ainda causa estranheza que isso também aconteça nos reencontros, independentemente de quanto tempo se conviveu antes e de quanto conhecimento se conseguiu reunir um sobre o outro nos tempos de convívio, mesmo tendo provado não sermos mais os mesmos. Reencontros podem não trazer apenas o sabor de uma nova descoberta, mas o de constatar que a distância entre ambos é bem maior que o tempo em que estiveram fisicamente separados, dada a transformação por que passaram ao longo desse tempo com relação às suas crenças, modus vivendi, visões de mundo, mas também às mudanças estruturais ocorridas, tanto em nível físico quanto psicológico.
Para dificultar ainda mais, existem “diferenças compatíveis” e “diferenças incompatíveis”. As compatíveis seriam aquelas que permanecem restritas às opiniões, ou a qualquer outro fator a que se possa renunciar sem grandes dificuldades, pois o passar do tempo vai fazer com que o pensamento de algumas pessoas evoluam para lados diferentes. Há as que permanecem apegadas ao passado, inclusive no seu sistema de crenças. Algumas se desvencilham das antigas crenças limitantes, enquanto outras as recrudescem ainda mais, a ponto de adotar posições rígidas que dificultam o convívio social; algumas optam por ter novas experiências e explorar suas potencialidades, e outras se fecham nas suas lembranças e tristezas passadas, acionando o mecanismo de defesa de seus parceiros que dificulta a reaproximação. Há ainda casos onde um dos dois adquire comorbidades ao longo de sua trajetória, limitando a movimentação do provável parceiro ainda disposto a viver muitas experiências, e assim por diante.
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Até aqui estivemos falando apenas das diferenças compatíveis, as que permitem atingir-se um “ponto de equilíbrio” que não obrigue os parceiros a abrir mão de suas vidas. Já as incompatíveis não permitem essa aclimatação por cobrar renúncias impossíveis de se fazer sem que um dos parceiros se anule em suas expectativas mais essenciais, por exemplo, se um quiser ter filhos e o outro não, ou não puder tê-los, ou se as comorbidades de um obriga o outro a abrir mão de sua vida para se dedicar inteiramente às limitações do parceiro. Tais situações podem até ser assimiladas por pessoas que desenvolveram um forte sentimento de “missão” para encarar tais renúncias, mas não é algo que se possa cobrar de alguém que simplesmente queria tocar a sua vida da forma mais natural e descomplicada que consiga.
A título de conclusão, o que podemos apreender da complexidade dos encontros e desencontros nas relações humanas é que o tempo dificilmente será um aliado na conexão entre pessoas, que as expectativas pessoais não podem se sobrepor à realidade que se precisará enfrentar, e que a natureza das novas pessoas que se reencontram precisa ser levada em conta antes de criar atalhos entre caminhos que estiveram correndo em paralelo por muito tempo, para que ninguém saia machucado da tentativa.
Em se buscando uma alternativa, o bom é que os dois lados optassem por uma amizade que lhes permitisse descobrir as novas pessoas em que se transformaram antes de tentar reviver as do passado, que já não existem há tempos. Isso evitaria apegos precipitados e talvez lhes valesse como um teste antes de apostas maiores, como também de sofrimentos maiores. Emoções nunca foram boas conselheiras, e enquanto se fizerem presentes nos fecharão olhos e ouvidos para a realidade, dando causa a experiências nada razoáveis, mesmo que o soubéssemos antes por um texto como este.