Convivendo Educação

Visão para enxergar

Foto em fundo desfocado: imagem de uma pessoa com discreto sorriso, do ombro para cima, segurando em primeiro plano, óculos com armação marrom. Fim da descrição.
Escrito por Marisa Pretti
Vamos trocar uma ideia sobre a diferença entre ver e enxergar?

Ver é algo mais físico, superficial. Para ver é preciso ter o sentido da visão.  Enxergar é perceber algo com mais profundidade. Para enxergar é preciso ver o todo e os detalhes. Você, caso tenha o sentido da visão, pode ver e enxergar, sobre o que viu. Seja de maneira material ou com os olhos imateriais da mente. Enxergar envolve um esforço visual, uma atenção maior.

Foto em fundo preto mostra do peito para cima, um homem jovem de perfil à direita. Ele tem cabelos, sobrancelhas, bigode e cavanhaque escuros, usa roupa social preta. Na palma da mão esquerda apoia um laptop aberto, com a mão direita aproxima uma lupa à frente do rosto e foca os intensos raios luminosos emitidos pelo monitor. Fim da descrição

Uma pessoa com baixa visão não pode ver, mas com um esforço visual pode enxergar sem detalhamento: vultos, formas e cores.

Uma pessoa cega não pode ver e nem enxergar, mas pode ver e enxergar por meio dos olhos físicos de outra pessoa.
Essa pessoa traduz as imagens em palavras, de maneira informal ou profissional, por intermédio do audiodescritor. A partir das imagens traduzidas clara e objetivamente, o receptor cria uma configuração mental com maior ou menor fidelidade, comparada com a imagem real. Tudo depende do grau de acuidade visual e cultura. Se for cega de nascença, cegueira adquirida na infância ou idade adulta. Já conversei com cegos que adoram receber tudo detalhado. Outros cegos querem apenas as informações de ações que não são faladas. Então, o bom senso me leva ao meio termo!

O produto vai chegar até o cego de nascença, o que perdeu a visão jovem, o adulto e o que tem baixa visão.

Talvez você esteja pensando: mas como alguém que nasceu cego vê as cores e as formas se não forem tocadas? Se ele não tem uma memória visual, qual é a referência? Por isso, se seus clientes são os cegos, nada mais natural do que escutar, perguntar e aprender, e não só estudar. Esse papo fica para um outro artigo, pois tem muita história bacana para contar.

Ver envolve o sentido físico da visão. Um cego não vê, mas você pode usar o verbo sem receio quando se dirigir a uma pessoa cega: “Você viu aquele maluco berrando?”. “Você viu que legal esse novo aplicativo?”. As pessoas cegas não se ofendem e até gostam dessa naturalidade.

Se você ainda se sente desconfortável quando se depara com uma pessoa com deficiência, tudo bem, é um ranço cultural. E, aqui, estamos conversando só sobre a deficiência visual.

Não é ceguinho, não é coitadinho, muito menos bonzinho.

Enxergar

Você também pode gostar:

Não é deficiente, não é portador.

O verbo portar, como transitivo direto, indica que temos algo, carregamos algo conosco. E da mesma maneira que temos, podemos deixar de ter, perder, sair correndo e largar para trás.

Porta-se uma bolsa, óculos, cabelos ressecados ou uma barriga incômoda, um namorado chato a gente porta.

Não se porta uma deficiência! Nomenclatura correta e bacana: pessoa com deficiência. A pessoa vem antes da deficiência, é inquestionável, uma pessoa com qualidades e defeitos. Sujeito direto, jamais oculto. Olha-se nos olhos dos cegos em uma conversa, fala-se diretamente, e não com o acompanhante, caso presente. Avisamos com um “fui” quando a gente sai de perto, pois é muito chato deixar a pessoa no vácuo!

É só uma característica, a supressão de apenas um sentido.

Ah, e por falar em sentido, quer deixar um cego sentido? Fale alto, confunda cego com surdo, tudo bem que temos os surdocegos, mas é papo para outra hora.

Quer auxiliar um cego? Perguntou se ele precisa de auxílio? Pergunte! Nem cogite puxar a pessoa pelo braço, ofereça o seu braço para conduzir a pessoa, o esquerdo.

Mas e se e se e se estiver com cão guia?

Mas e se e se e se estiver com bengala e cão guia?

Mas e se e se e se estiver sem bengala e sem cão guia?

E se for um canhoto?

Perguntar é sempre o melhor lance! Somos todos deficientes, estamos em aprendizado contínuo, só erra quem tenta.

E quem tenta muitas vezes acerta.

Em um seminário na Secretária da Pessoa com Deficiência, ouvi de uma palestrante usuária de cadeira de rodas: “Estou aqui porque cheguei à sala de conferências sem dificuldades. O espaço todo é equipado com rampas, elevador e todo tipo de acessibilidade. Só me sinto deficiente quando o espaço também é!”. Palmas. Muitas palmas.

Entende? O entrave é a falta de acessibilidade, para que os cidadãos com deficiência possam desenvolver plenamente as suas competências.

Enxergar

Quando falamos em acessibilidade, estamos falando em interferências, ações que permitam que todos participem ativamente do convívio em sociedade, pessoas que culturalmente foram excluídas por muito tempo e tinham que se adaptar em um mundo feito para as denominadas “pessoas sem deficiência”.

A população cega, em geral, é atuante, exigente e participa de todo tipo de evento: cinema, teatro, exposições, palestras, musicais e tudo o que as pessoas que enxergam têm acesso. Usam as mídias sociais, compram, vendem, se divertem, estudam, trabalham, tem filhos e geralmente não gostam de ser rotulados como exemplos de superação.

Ainda assim, muita gente acredita que os cegos são cegos. E ponto.

Vírgula. São somente cegos.

O pior cego é aquele que não quer ver.

Sei lá quem disse isso, mas a pessoa enxergava longe!

Sobre o autor

Marisa Pretti

Amigo leitor...

Caro leitor...

Querido leitor...

Prefiro chamar você de Passageiro leitor.

Afinal, você está aqui de passagem como eu. Caminhando nesta Terra cheia de buracos e tanta água que haja braços fortes e pernas ligeiras para não se afogar.

Viver, a começar pelo ato de nascer, é para quem tem pacto fechado com a teimosia. O ar inflando os pulmões e o primeiro choro para que ninguém se engane: não estamos aqui só para sorrir, mas principalmente. Sim!

Sou mãe por vocação. Atriz por formação. Entusiasta por opção. Audiodescritora por paixão e profissão desde 2010.

Minha profissão, em uma breve descrição, se resume em traduzir imagens em palavras com o maior detalhamento possível para a pessoa com deficiência visual. Um recurso acessível também para idosos, disléxicos, pessoas com deficiência intelectual e para quem mais sentir necessidade dessa ferramenta assistiva. Simples e complicado assim. Trabalho com filmes, espetáculos de dança, teatro, vídeos, suportes empresariais, e o maior desafio foi levar acessibilidade visual ao Carnaval paulistano, desde 2017.

O mundo é visual, estímulos visuais são constantes! Por meio da audiodescrição qualquer produto pode ser traduzido em palavras.

Trabalhar com inclusão é estar atento ao outro, é ser um facilitador e igualar oportunidades.

Provavelmente foi esse gosto pelas letras encadeadas, mastigadas e saboreadas na língua como um demorado beijo que me trouxe até aqui.

Pretendo contribuir com minhas vivências e reflexões sem pretensão alguma, apenas para compartilhar alguns saberes. Uma leitura leve, um livre pensar, mas nem por isso descompromissado com a sua inteligência.

E porque creio na humanidade, na diversidade e na inclusão aceitei colaborar com o #EuSemFronteiras.

Abraços acessíveis!

OBRIGADA.

Email: pretti.marisa@gmail.com
Facebook: marisa.pretti
Instagram: @asmeninasdosolhos
Site: asmeninasdosolhos.com.br
LinkedIn: As Meninas Dos Olhos Marisa Pretti