Tem sido assim para todos os seres humanos: nascer em um momento da história em que as muitas tarefas, os muitos compromissos, são parte inerente à forma como a sociedade moderna foi constituída.
No entanto, o tempo designado a cada tarefa e aos agendamentos de contatos, com os quais nos acostumamos a conviver, marcados por horas, minutos e segundos, não passam de uma convenção social. Não que isso seja de todo ruim, pois, bem ou mal, funciona, ou seja, atendem às nossas necessidades. Afinal, se não soubermos que horas são, poderemos nos atrasar para os nossos compromissos e deixar muitas pessoas esperando, talvez irritadas, pois contavam conosco em algum nível, conforme os respectivos contextos.
Ocorre que, para a divindade, ou seja, o Todo e o Universo, o tempo não é percebido da forma como conhecemos, através da nossa mente racional e lógica. O tempo universal basicamente se processa em duração. Não há horas, minutos e segundos. O tempo divino torna-se uma leve percepção. Não é linear.
Para compreendermos melhor essa questão, basta você pensar nas vezes em que se divertiu e, quando se deu conta, já havia passado muito tempo. Ou ainda quando esteve em uma sala de espera, onde o tempo parecia se recusar a passar.
Ainda assim, escolhemos viver em função do tempo para progredir dentro do grande sistema social. Escolhemos olhar no relógio e contar as horas, como se elas ditassem as regras, as normas. Escolhemos ser conduzidos pelo tempo ao longo dos nossos dias. Somos nós quem controlamos o tempo ou é ele que nos controla?
Imagine-se vivendo fora do tempo linear. Por apenas um momento, considere aposentar, que seja por um dia, o seu relógio e a necessidade de ver as horas.
Seria você capaz de se orientar unicamente pelo momento presente, pelo instante, pelo agora? Seria você capaz de oferecer ao seu corpo e à sua mente exatamente aquilo de que precisam com base na sua percepção de fome, sede, frio, calor e necessidade de comunicação? Seria você capaz de interagir com outras pessoas nesta sociedade vivenciando o não-tempo?
A vivência em função do tempo tem adoecido muitas pessoas. Milhares e milhares de pessoas vivem em função de compromissos “inadiáveis”, de horas em trânsito, de estresses ao realizar o trabalho que deveria dignificar a existência do ser humano enquanto encarnado.
Milhares e milhares de pessoas aprenderam a contar as horas, os minutos e os segundos, fazendo cálculos rápidos para saber se chegarão ou não atrasados, para saber se entregarão ou não seus projetos no prazo, para saber quantas horas de sono por noite têm dormido sem aproveitar o conforto do lar, a cama, o sofá e o chuveiro que, para serem comprados, custou-lhes muito tempo de trabalho.
Afinal, essa é a barganha. Trocamos horas de trabalho por salário. Trocamos tempo de nossas vidas por momentos de estresse.
E, durante o mesmo trabalho que estressa o ser humano, este conta os dias que faltam para os feriados, para as férias reduzidas, pois foram vendidas, para que ele pudesse descansar ao menos um momento, em vão. Pois, no dia do descanso, a mente não para… é dia de mercado, de compras, de reforma…
A mente estressada precisa ser compensada com horas de paz. Mas, a paz que se cogita obter, quem sabe na praia ou na viagem financiada, é repleta de trânsito, de gente, de barulho, de tumulto, que o humano mal consegue repousar. Isso porque, enquanto um humano quer descansar, milhares de outros estão a trocar seu tempo. Muitos deles em algum trabalho que passa longe de trazer realização pessoal trazendo sentido à sua existência.
Que vida perdida é essa? Vale a pena ser vivida? Trocar uma vida inteira pela satisfação de fazer algo que nem se gosta, mas que se precisa, pois lhe disseram que assim seria melhor? Ou disseram o quê? Que viver para pagar as contas seria o seu fardo?
Depois que os filhos crescerem, que os feriados se forem, que vender as férias já não mais compensar e que as noites de sono já não puderem mais ser recuperadas… Depois que, ao olhar no espelho, seu rosto já estiver diferente, mais velho, você poderá refletir, comparar e decidir se valeram a pena as horas dedicadas a uma vida agitada em relação àquelas dedicadas a ver os filhos crescerem, a conhecer novos lugares, a caminhar descalço pela grama das cidades do interior e, durante a calmaria dos dias, escutar os pássaros cantarem, os ventos acariciarem seu rosto e a chuva trazer renovação para a alma.
É… minha cara, meu caro… Quanto tempo a gente ainda vai precisar para perceber que cabe somente a nós despertar para a loucura do estresse que a gente mesmo escolheu viver para alimentar a ilusão do status, do comprar, do vender, do mostrar e ostentar?
Quanto tempo a gente ainda vai precisar para poder entender que a vida que a gente tem pra viver é a oportunidade de nos transformar em pessoas serenas, melhores, pacientes?
Quanto tempo a gente ainda vai precisar para concluir que uma vida é pouco para aprender que devemos aproveitá-la ao máximo a fim de trazer felicidade a cada simples, mas grandioso, dia?
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Talvez, quando esse tempo chegar, você ainda esteja jovem. Mas, talvez, se ache velho o suficiente para perceber quanto tempo perdeu alimentando o próprio ego, condicionando seu comportamento a um sistema que vive em função de barganhar tempo para comprar, vender e lucrar, para retroalimentar-se e fazer as pessoas esquecerem que o propósito da vida é outro. Progresso? Onde fomos parar?
Quanto tempo a gente ainda vai precisar?