Recentemente, chegou às minhas mãos o livro “Na Solitária”, de autoria de Albert Woodfox1, um homem que ficou confinado, durante mais de 40 anos, numa cela de 2m x 3m, 23 horas por dia, na penitenciária Angola, que fica no estado de Louisiana. Ele cumpria pena por assalto à mão armada e foi acusado, sem provas e julgamento, com dois outros prisioneiros, pela morte de um agente penitenciário.
Albert tinha consciência de que sua condenação era meramente política porque ele pertencia ao partido político “Os Panteras Negras”, que tinha, entre outros objetivos, combater a violência policial contra os negros. Apesar de sua indignação com a injusta condenação, Albert sobreviveu, de uma forma resiliente e ativa e com a ajuda de seu partido, às condições desumanas a que foi submetido. No livro supracitado, o autor relata sua história familiar e os detalhes de seu julgamento e de sua vida na prisão.
A história de vida de Albert Woodfox como a de Nelson Mandela, Stephen Hawking e Viktor Frankl, dentre muitos outros, são exemplos de resiliência para nós. O que essas histórias têm em comum?
Apesar de ocorrerem em contextos diferentes, elas nos relatam a capacidade que essas pessoas tiveram de enfrentar as adversidades e superá-las, transformando todos os momentos mais difíceis e dolorosos em oportunidades para aprender, crescer e mudar suas vidas.
Há muita discussão e divergência sobre o conceito de resiliência porque ele envolve muitos fatores, tais como: as características pessoais das pessoas resilientes, as circunstâncias vivenciadas por elas, as relações que estabeleceram no meio em que vivem, a capacidade de adaptação às circunstâncias adversas e de transformação pessoal ao enfrentá-las.
Optamos pelos argumentos de estudiosos que defendem uma concepção de resiliência como um processo que compreende a ideia de superação, no sentido do enfrentamento das adversidades e do crescimento pessoal. Isso vai além do mero ajustamento ou da adaptação do sujeito a uma determinada situação e destaca a sua capacidade de elaboração pessoal por meio da mudança de crenças e de visão de mundo.
Ressalto aqui um aspecto que não observei nas leituras que fiz sobre o tema aqui abordado: a concentração mental. Pessoas resilientes elegem um foco, a visão de um objetivo para o qual converge o seu esforço de superação. Elas mantêm o pensamento e a vontade direcionados a esse foco. Dedicam-se de corpo e alma a ele. Tornam-se, por assim dizer, obcecadas por ele. As limitações físicas, espaciais, ambientais não dispersam sua atenção. Ocupam totalmente sua mente numa determinada direção e mantêm-se íntegras, sãs, embora o contexto seja extremamente difícil e desafiador. Essa atitude transforma o conformismo em ativismo, o desencanto em esperança, a resignação em perseverança.
Pode-se afirmar que pessoas resilientes são frutos das adversidades. Elas (as adversidades) são oportunidades para o autoconhecimento, o esclarecimento, a mudança de concepções e de valores. Elas nos tiram da zona de conforto, da passividade diante dos desafios. Em muitas situações de vida, como a de Albert Woodfox, a resiliência representa a garantia de sobrevivência.
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É importante destacar que pessoas resilientes são pessoas que cultivam uma visão mais positiva da vida, adotam valores mais essenciais, têm uma certa coerência em suas escolhas, são mais determinadas e autônomas. Por isso, quando enfrentam as adversidades, não as temem; ao contrário disso, sentem-se desafiadas por elas. No entanto, a atitude de resiliência não é inata, ela é formada no processo da vida de cada pessoa porque o ser humano não pode isolar-se de sua circunstância e esta não pode subsistir sem a presença humana. Nessa relação, a pessoa vai modificando a si mesma e o mundo ao seu redor.
Assim sendo, é indispensável entender que a extensão de nossa vida está condicionada por nossa capacidade de buscar o sentido de tudo que nos rodeia. Ortega y Gasset, filósofo espanhol do século XX, que enfrentou de maneira resiliente o período da ditadura em seu país, concebe o problema da vida como a preocupação de um eu que busca sua identidade no âmbito de adversidades e possibilidades concretas. Nesse sentido, afirmou: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim”.