Até boa parte dos anos 60, os pais eram os únicos provedores. Às mães cabiam cuidar da casa e educar os filhos. As mulheres que se casaram e tiveram filhos após a revolução sexual, ocorrida em 68, passaram a dividir com os maridos a responsabilidade pelo sustento e a criação dos filhos.
Se pais e mães trabalham fora, como ficam os filhos?
As instituições educacionais para crianças de 0 a 6 anos surgiram no Brasil em 1870. Elas seguiam os padrões europeus. Crianças de 0 a 2 anos ficavam nas creches ou asilos da primeira infância. As escolas primárias ou salas de asilo para a segunda infância eram destinadas às crianças de 3 a 6 anos. Anos mais tarde, as escolas primárias ganharam outro nome, escolas maternais.
As creches foram instituídas como medida para evitar o abandono de crianças pobres. Nas escolas maternais, meninas eram educadas para serem mães ou professoras. A boneca era um brinquedo educativo, pois, com ela as meninas podiam “treinar” os cuidados com uma criança.
Felizmente o papel das creches e pré-escolas mudou. Com brincadeiras lúdicas, as crianças aprendem noções de matemática, português e a importância de viver em grupos.
Instituições educacionais infantis funcionam em período integral, das 7 da manhã às 7 da noite. Meninos e meninas que ficam o dia todo na escola, têm mais contato com professores, demais funcionários e colegas. Os pais passam a ser estranhos. As conversas limitam-se ao “bom dia”, “tchau”, “oi”, “vamos para casa”. Não há quem não sinta culpa por ter pouco tempo com os filhos. Porém, casa, comida, saúde, água, luz, telefone custam caro. É um círculo vicioso, os pais trabalham para dar um bom padrão de vida aos filhos, mas, não acompanham a rotina deles.
Esta culpa dá origem a um comportamento perigoso. Para suprir a ausência, os pais dão presentes aos filhos. Tais recursos também são usados no intuito de reforçar o amor e demonstrar apreço. Funciona assim, a criança tira boas notas? Tem bom comportamento? Cria confusões? Está triste porque o colega de escola não convidou para a festa? Não importa qual o motivo, os pais investem em brinquedos coloridos e tecnológicos no intuito de recompensar ou punir. Mal sabem que as cores e os sons, além de não preencherem lacunas, fazem estragos ainda maiores.
O materialismo, percepção que leva o indivíduo a sentir prazer no consumo e acúmulo de objetos, começa na infância. Ao perceber que seu bom desempenho escolar, comportamento exemplar e tristeza são compensados com presentes, a criança associa conforto e prazer aos bens materiais. A dedicação e o bom comportamento viram oportunidades para obter vantagens. A tristeza também ganha outro significado. Ela entende que presentes são excelentes remédios para tristeza.
Pais gastam fortunas para agradar os filhos
Pesquisa conduzida pela Green’s, marca inglesa de bolos, revela que os britânicos gastam anualmente duas mil libras com presentes para seus filhos. A quantia equivale a R$ 5,6 mil reais.
A discussão sobre o materialismo infantil não é de hoje. A educadora e médica italiana Maria Montessori, já na década de 40 apontava os malefícios deste comportamento influenciado pelos adultos. Montessori afirmava que “a maior recompensa que a criança tem é o próprio êxito”. O assunto rendeu várias pesquisas. As universidades de Missouri e de Illinois, ambas nos Estados Unidos entrevistaram 700 adultos. A pergunta foi “qual tipo de recompensa e punição você recebeu na infância?”, a maioria respondeu que recebiam presentes como recompensas, provas de amor e como castigo.
As crianças materialistas são mais imediatistas, ansiosas e irritadiças. Exigem ser recompensadas imediatamente. Quando isso não acontece ficam à beira de um ataque de nervos. Choram, berram, esperneiam até conseguirem o que desejam. Encher os filhos de presentes é duplamente perigoso. Além de associar bens materiais e bem-estar, crianças aprendem que vale tudo para conquistar seus direitos, até mesmo chantagens emocionais.
Criança não pode receber presentes ou serem punidas?
É importante salientar que não é errado presentear as crianças. Dar um brinquedo no aniversário, Dia das Crianças ou Natal é permitido. A punição é válida para ensinar quais são as condutas corretas. Neste caso, a melhor coisa é fazer os pequenos se colocarem no lugar de quem foi prejudicado pela má ação. Este exercício desperta empatia, sentimento que diferencia altruístas e egoístas.
Segundo Gabriela Yamaguchi, membro do Instituto Akatu, ONG que estimula o consumo consciente, o caminho é ensinar a valorizar o que se tem. Yamaguchi frisa que a melhor forma de recompensar o bom comportamento é com afeto. Abraços, palavras carinhosas devem ser os estímulos para as crianças continuarem a ter bom comportamento e dedicação aos estudos.
Mesada: estímulo ao materialismo?
Antes de pensar em dar mesada, os pais precisam conversar com seus filhos sobre dinheiro. Celina Macedo, doutora em Linguística e pós-doutorada em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelas, explica que a família deve transmitir os primeiros conhecimentos sobre finanças. As crianças precisam ver o esforço que os pais fazem para manter a casa em ordem. Isso dispara a percepção de que dinheiro não nasce em árvores. Elas também aprenderão que o dinheiro precisa ser bem administrado para render.
A melhor maneira para introduzir o assunto é falar sobre as despesas mensais. Explique que se conseguirem economizar sobra dinheiro para ir ao cinema, comprar uma televisão mais moderna e viajar. O segredo é mostrar que poupar traz benefícios para a família toda.
A mesada deve fazer parte da educação financeira. A melhor idade para começar é a partir dos 7 anos. Explique ao seu filho que você recebe um salário e que ele precisa durar o mês inteiro. A criança precisa entender que a mesada é para custear despesas durante 30 dias. Só para reforçar, não use a mesada para recompensar bom rendimento escolar.
– Dicas sobre educação financeira infantil
Existem dois comportamentos atrelados à infância marcada por dificuldades financeiras. Gastar descontroladamente para compensar as privações ou não gastar nada no intuito de não passar por novas dificuldades financeiras.
Pensando nisso, os jornalistas Marília Cardoso e Luciano Gissi escreveram o livro “Você sabe lidar com o seu dinheiro? Da infância a velhice”. Os autores colheram depoimentos vitoriosos e fracassados sobre a missão. Marília relata que muitos pais, na tentativa de afastar os filhos do materialismo, associam o dinheiro a coisas ruins. De acordo com ela, há quem diga que Deus prefere os pobres.
Para ajudar nesta difícil questão que é a educação financeira infantil, os autores elaboraram algumas dicas:
- Faça a criança ter contato com dinheiro. Explique que as cédulas e moedas precisam ser bem conservadas, pois, a reposição custa muito caro.
- Mostre que todas as cédulas e moedas têm valor, mesmo uma nota de R$2 ou uma moeda de R$0,05.
- Peça que avós, tios, madrinha e padrinho que deem presentes apenas no aniversário, Dia das Crianças e Natal. Solicite também que não deem dinheiro.
- Convide seu filho a ajudar na elaboração da lista de compras do supermercado.
- Peça que ela vá ao supermercado. Esta atividade é uma oportunidade para explicar o conceito de caro e barato.
- Ensinar que a vida é feita de escolhas. Quando a criança quer dois brinquedos, peça que ela escolha.
- Explique as diferenças entre querer e precisar. Necessidades básicas, comidas, roupas, educação e saúde pertencem ao grupo precisar. Presentes fora de hora, estão na categoria querer, ou seja, podem esperar.
Cofrinhos
Falamos como é importante mostrar os benefícios da economia. Crianças só aprendem mediante exemplos. Dê quatro cofrinhos ao seu filho. Cada um é voltado para objetivos distintos. Coloque adesivos com as palavras curto, médio, longo prazo e doação. Cinema é objetivo de curto prazo. Brinquedo, médio prazo. Viagem, longo prazo. O cofrinho destinado a doação é para juntar dinheiro e doar às instituições de caridade. Sugira um orfanato e explique que muitas crianças não tiveram a mesma sorte que ele.
Talvez, os pais não gastem uma fortuna para compensar a ausência. Muitas vezes, as pessoas têm filhos sem estarem psicologicamente preparadas. Elas se desesperam quando perdem o controle da situação. Pais que não identificam o choro do bebê veem na chupeta a resposta para os anseios da criança. Quando o filho cresce dão presentes, preferencialmente caros.
Se não pode ficar muito tempo com seu filho, invista na qualidade. Diga a felicidade que sentiu ao saber que ele estava a caminho. Conte sobre a emoção do nascimento. A criança precisa saber que é amada pelos pais. Crie brincadeiras, conte histórias, faça um banquete com os pratos favoritos dela.
Convidar seu filho a fazer uma limpeza no armário também estreita os laços. A atividade fará a criança ver o que ela realmente usa. Incentive a criança a doar roupas, sapatos e brinquedos não são mais utilizados, desde que estejam em bom estado, é claro! Outra ideia legal é fazer um brechó para a criança arrecadar dinheiro e depositar no cofrinho. Quanto mais cedo as crianças aprenderem o significado do “é dando que se recebe”, frase da Oração da Paz atribuída a São Francisco de Assis, mais conscientes elas serão sobre o papel dos bens materiais.
Recapitulando comportamentos que contribuem ao materialismo infantil:
- Dar presentes para recompensar boas notas e bom comportamento.
- Dar presentes como prova de amor.
- Impedir o acesso a bens materiais para castigar.
E, se você não quer criar filhos materialistas, invista em algumas coisas simples:
- Ficar mais tempo com os filhos.
- Dar bons exemplos.
- Presentes apenas em datas comemorativas.
- Tente substituir vídeo games, tablets e celulares por passeios em parques.
- Brincadeiras que promovem interação.
- Controle o que a criança vê na televisão.
- Cuidado com as mensagens de texto.
- Dia sem televisão, computador e games.
Limitar a exposição à TV? Controlar mensagens de texto?
Adultos sentem-se infelizes ao ler posts em redes sociais. O efeito das propagandas na TV e na internet nas crianças é o mesmo. Ao ver garotos e garotas propaganda felizes com seus brinquedos, roupas e sapatos de grife, quem não tem acesso a tudo isso fica triste. Outro motivo para não deixar as crianças tão expostas à televisão é incentivar a interação com outras crianças, evitar o consumo de refrigerantes, salgadinhos e a obesidade.
Se o seu filho tem celular e usa aplicativos de texto, cuidado com as mensagens. Colegas podem usar este meio para se vangloriar dos presentes. Quando visualizar mensagens com este teor e notar que a criança está estranha, converse com ela. Você precisa mostrar que bens materiais não são as coisas mais importantes do mundo.
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A pesquisadora holandesa Suzanna J. Opree ressalta que “o materialismo infantil diminui a satisfação com a vida na fase adulta”. Os presentes que a criança ganha hoje por tirar boas notas e se comportar bem aumentam o vazio.
Estudo realizado na Austrália para o Queen Elizabeth Medical Centre constatou que crianças materialistas são mais propensas à depressão. A pediatra Helen Street liderou uma pesquisa com 402 crianças australianas, entre 9 e 12 anos. Elas revelaram que bom relacionamento com família e amigos, além de sentir-se bem com elas mesmas são elementos importantes para a felicidade. Entretanto, aproximadamente 12% afirmaram que ter muito dinheiro é fundamental. Street e sua equipe identificaram 16 crianças com sintomas depressivos. As crianças com risco de ter depressão na fase adulta eram 112.
Dinheiro compra joias, roupas e sapatos de grife, carros e imóveis. Caráter, amizade e amor não estão à venda. O que realmente importa é conquistado. Usar bens materiais para preencher um coração vazio é perda de tempo. A princípio, o luxo, a badalação e o poder movimentam a vida, mas, ao colocar a cabeça no travesseiro a solidão retorna.
Falta pouco para o Natal. Infelizmente, a celebração virou sinônimo de consumismo e comilança. Senhores pais, por favor, sigam essa lista:
- Não compre presentes, esteja presente.
- Enviar presentes? Respeito, afeto, carinho, zelo.
- Embrulhar presentes? Não, embrulhe alguém em um abraço.
- Montar árvore de Natal? Sim, mas, monte corações partidos.
- Fazer toneladas de comida? Não, faça um pouco a mais e doe.
- Pode ver as decorações de Natal espalhadas pela cidade. Mas, seja a luz para seu filho
Para resumir tudo isso: amor não se compra!
- Escrito por Sumaia Santana da Equipe Eu Sem Fronteiras.