O facilitador geralmente é o marido, mas também pode ser um filho escolhido que seja subversiva e subterraneamente intimado a ajudar a mãe narcisista em suas dinâmicas perversas.
O tal facilitador funciona como uma espécie de zelador no reino que a mãe narcisista perversa constrói. Esse território é orquestrado de modo cruel e, por causa da capacidade altamente manipuladora dessa mãe, qualquer espécie de confronto é brutalmente combatida.
Na configuração de família, existe o filho considerado ovelha negra, que, apesar de ser o mais insultado e o mais desqualificado, é o único que costuma enxergar o que se passa e, portanto, o único que ousa questionar e, por vezes, confrontar a mãe abusadora.
Uma das hipóteses é que ela o possa ter escolhido com a finalidade de detoná-lo ao percebê-lo com a possibilidade de ficar lúcido dentro da trama. Toda vez que esse filho ousar questionar os motivos pelos quais sempre foi visto como o errado, como o vilão de situações injustas e indagar sobre os motivos de ser tão maltratado ou mesmo se ela sabe qual a razão de tantas críticas a ele destinadas, enfrentará as piores e as mais devastadoras das iras narcísicas.
Ofendida, ela ameaçará de ir embora, determinará que esse filho vá e, como sempre faz, ameaçará as suas presas com mais humilhações, usando de suas armas geradoras de sentimentos de desamparo, de rejeição, de desproteção e de abandono mesmo quando suas crias já se encontram adultas! Fará escândalos, cenas e mais cenas e, como sempre, inverterá papéis, colocando-se como vítima.
Ela jamais assume a responsabilidade por qualquer infortúnio causado aos filhos e, mesmo que haja muito sofrimento, a falta de empatia, as humilhações desmedidas e a punição da retirada total de atenção ainda assim persistirão.
Nessas ocasiões, o filho escolhido ou o marido omisso entra em cena, evidenciando uma aliança com a poderosa vilã da nossa história que de todas as formas abusa do lugar de poder culturalmente a ela oferecido.
A memória da mãe narcisista perversa é seletiva, ou seja, ela só se lembra do que lhe convém, mas, quando é para vitimizar-se ou para denegrir alguém, lembra-se de tudo em detalhes, colorindo, inclusive, histórias e cenários com encenações e verdades inventadas.
O filho de ouro escolhido, que nessa trama também funciona como mais um abusador, não tem consciência de que também é um refém do que chamamos de estrupo emocional. Estes, na maioria das vezes, encontram-se bem mais comprometidos do que os bodes expiatórios e dificilmente conseguem saber que se encontram emocionalmente sequestrados. Além disso, têm enormes dificuldades, quando adultos, de seguirem com a vida no âmbito profissional e no afetivo. A criança de ouro escolhida está presa sem conseguir crescer emocionalmente, então a vida fica destruída e, muitas vezes, possuem problemas psiquiátricos e usam drogas. Dificilmente conseguirá concluir um curso superior, nem uma linha de vida, pois emocionalmente é totalmente subjugado e é tratado como um bibelô apenas para suprir as necessidades emocionais da mãe perversa, que também o transforma no marido perfeito.
Tem também o filho moderador, extremamente estrategista e manipulador. Nas brigas em família, é o destinado para ser o equalizador do sistema, esforçando-se para falar com todos no intuito de amenizar humores e, claro, para ser bem visto pela mãe. O intuito real, porém, é que ele, como todos os outros, numa competição velada e inconsciente e cada um vestindo o seu papel, possa de algum modo obter algum olhar dessa magnânima mãe, rainha poderosa. Ele posa de bom moço, mas também comprometido emocionalmente, pois não consegue fazer muita coisa na vida; funciona como eterno adolescente encantado, aprende a arte da sedução e pode até ficar casado por algum tempo, embora as relações afetivas não costumam ter sustentação, pois, no fundo, ele permanece casado mesmo é com a família de origem. Além de tudo, pelo enorme gasto de energia voltado para proteger a família, todo o resto vai ficando descartável. Muitos desses filhos nem chegam a casar e outros vão pulando de relação em relação, ficando, no máximo, alguns poucos anos em cada uma.
O pai e marido, quando também é laçado, ou fica omisso ou briga e, por fim, acaba saindo de casa por não dar conta de existir como pessoa dentro desse tipo de trama. Muitas vezes, fala com os filhos secretamente dando-lhes razão, dizendo que a mãe é assim mesmo, mas pouco conseguem ajudar se não a enfrentam diretamente buscando uma saída saudável tanto para si mesmo quanto para os filhos. Em muitas ocasiões, porém, confunde e dificulta ainda mais a vida dos filhos sendo mais um facilitador da esposa. Infelizmente também está como vítima por ela manipulado, sentindo-se obrigado a seguir o que lhe é determinado com receio de perder o apoio e o sentimento de pertença.
Nessa trama, ainda podemos encontrar a criança invisível, que fica longe e à deriva da família, mas que vez por outra também recebe alguma crítica desqualificadora. A criança invisível não é vista, pois é ignorada e, como consequência, possui uma baixa autoestima insuportável somada a sentimentos de vazio interior. É a criança negada, a criança perdida. Às vezes, fica como se fosse adotada pelo pai omisso, que, por sua vez, também faz uma espécie de incesto emocional, recebendo-a a princípio como a filha renegada e, na sequência, como a esposa substituta. Tenho ouvido histórias no consultório de que, quando o pai falece, a ira da mãe fica escancarada e direcionada para essa filha, visto que ela não pode mais ser encoberta por esse pai. Nessas ocasiões, um tipo de expulsão velada, porém concreta, da família vai acontecendo até o ponto em que o contato fica totalmente inviável.
Outros filhos invisíveis, por uma questão de sobrevivência, acabam “colando” na identidade das mães, para que, de algum modo, possam tê-las dentro de si e para que, quando elas falecerem, assumam o seu lugar no intuito inconsciente de poder ter alguma visibilidade.
Estes também dificilmente se casam.
O narcisista não pode ficar numa posição de inferioridade e tampouco de fragilidade.
Quando algo é questionado, não admite os erros e jamais pede desculpa. O pai, marido omisso, tem medo de perder a relação com ela, por isso se porta como refém.
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Se a mãe narcisista não tivesse um facilitador, ela não seria nem a metade do que ela é; porém, ela sabe orquestrar o seu território como ninguém, é muito poderosa e boa no que faz, haja vista que escolhe maridos frágeis ou muito comprometidos com a cultura do casamento e que, erroneamente, costumam ser nomeados de bonachões. Cria toda essa situação de modo muito preciso, como se ela tivesse um script na mente, uma estratégia em que se sinta bem. Tudo isso faz muito mal a quem está ao seu lado, mas, para ela, é tudo de bom, pois sente-se poderosa à custa dos filhos, pois projeta nos filhos a gata borralheira, a criança invisível, o filho moderador, o pai omisso, o filho de ouro, o bode expiatório; ninguém escapa dessa ditadura de terror, principalmente os que nascem nessa trama. Ela gera competições desmedidas e divide para governar, para continuar em seu trono de rainha maligna.
A vida, porém, pode ser bastante diferente quando se conhece sobre o tema e quando se busca ajuda profissional, o que, nesses casos, é imprescindível.
Quanto mais despertos, melhor!
Silvia Malamud